Para a artista Marina Saleme, o céu é metaforicamente “um lugar de onde tudo cai” – graças e desgraças, enumera, mas é também para o infinito, “mutante, misterioso”, que endereçamos nossas preces, ela completa.
Há tempos esses significados tornam-se visíveis nas obras da pintora. Na exposição O Céu Que Nos Protege, que Marina Saleme inaugura nesta quinta-feira, 18, na Galeria Luisa Strina, uma de suas recentes telas, por exemplo, é uma composição em azul claro que tem um campo vermelho na parte superior do quadro, como se representasse ali um conjunto de nuvens sanguíneas. Dessa área suspensa, que por meio de um olhar mais cuidadoso percebemos guardar sob si outras camadas de cores, precipitam-se rastros de tinta – e por mais que a descrição possa indicar algo de violento naquela pintura, existe nela leveza também, o convite à contemplação.
Na mostra, ainda, a artista exibe outros dois grandes dípticos pictóricos inéditos – um deles, uma bela composição que remete a uma paisagem na noite em rosa e preto, especialmente, e uma tela em que o amarelo é protagonista, mas O Céu Que Nos Protege (título emprestado do filme de Bernardo Bertolucci) apresenta novos e surpreendentes caminhos do trabalho de Marina Saleme.
Sem se preocupar, diz a pintora, em definir figuração e abstração em sua produção artística, ela também recorre, de tempos em tempos, à imagem fotográfica em sua pesquisa. Pintura e fotografia não são, assim, territórios estanques em sua obra e, no caso dessa individual, o campo fotográfico exerce um importante – e explícito – papel.
Em duas sequências de novos trabalhos de Marina Saleme, uma fotografia de arquivo, na qual aparecem uma mulher de maiô e chapéu, uma menina e a sombra do fotógrafo, é um elemento enigmático que se repete nas criações da artista. “Existe um jogo e uma praia atrás e é como se aquele momento estivesse separado de tudo, como se eles estivessem alheios ao que está acontecendo, principalmente, por ser uma coisa antiga”, descreve.
Instigada pela força daquele registro fotográfico, que hoje propõe e mistura distintas dimensões de tempo, a pintora resolveu imprimir a imagem sobre pedaços de lona a fim de realizar interferências pictóricas nas peças. “Às vezes, foram pinturas mais rápidas, outras vezes, com toda a densidade”, ela conta.
Por meio do ato de apagar e também de resgatar com camadas de tinta, procedimentos – técnico e conceitual – que são uma marca do trabalho de Marina Saleme, a artista criou composições com diferentes significações. Sobre a cena fotográfica com a mulher, a menina e o homem, pode parecer, por exemplo, que despenca um céu quase ocre, mas, em outras obras, mais ainda, as figuras estão quase a desaparecer – seja apagadas ou soterradas em branco ou roxo, respectivamente. “Quis fazer acontecimentos nesse cenário”, explica a pintora, que questiona a “impermanência”.
Mesmo que as obras estejam instaladas lado a lado em uma das paredes da galeria, cada trabalho tem uma autonomia e pode ser visto separadamente. “Fotografia e pintura mesclam-se em um mesmo repertório: o de criação de situações capazes de subverter a ordem do plano e daquilo que está diante de nós. Passamos a duvidar sobre o que sempre se constituiu como verdade”, define o crítico Felipe Scovino no texto Revelações e Ausências: Um Ato Contínuo, que acompanha a exposição.
Em outra série de criações – exposta, anteriormente, apenas na feira Art Rio do ano passado -, a artista promove uma experiência inaudita ao espectador.
A pintora imprimiu fotografias feitas no Regent Park de Londres com efeito reticulado e criou interferências pictóricas nos trabalhos. Com essa técnica, é possível ver, de acordo com a distância e perspectiva de observação, a paisagem solitária do parque – na qual também foi inserida aquela cena das figuras fotografadas na praia – sendo tomada pelo desabamento de céus em diferentes cores. O real e o irreal se fundem e, como bem afirma Scovino, tanto nas fotos quanto nas pinturas de Marina Saleme “sobressai um ambiente de silêncio e melancolia”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.