Jaclyn Jose ganhou a Palma de Ouro de melhor interpretação feminina em Cannes. Derrotou atrizes como Sonia Braga (Aquarius) e Isabelle Huppert (Elle). Causou polêmica. Mas, de fato, sua interpretação em MaRosa, do filipino Brillante Mendoza, é algo digno de nota. Ela vive a personagem-título, matriarca que sustenta sua família com a lojinha instalada num bairro pobre de Manila.
Em aparência apenas, porque, para completar a renda, Rosa e marido vendem um produto heterodoxo em meio às bugigangas. Em poucas palavras, comercializam drogas. Até que um dia, a casa cai e o casal é preso. E, a partir de então, entra-se no foco da questão proposta por Mendoza. Eles precisam de determinada quantia para comprar os policiais corruptos e serem libertados. Começam uma gincana, da qual participam os filhos do casal, de modo a levantar dinheiro para a propina.
Engraçado como o tema insiste na obra de Mendoza. Em um dos seus filmes anteriores, Lola, a questão era uma avó levantar dinheiro para livrar da cadeia seu neto, que havia cometido um homicídio. Com a quantia, poderia comprar o perdão da família do morto e assim livrar o neto do cárcere. A ideia que ficava era de uma sociedade na qual tudo tem seu preço. E preço, aqui, entendido sem qualquer simbolismo – trata-se de dinheiro mesmo. Grana viva e obtida da maneira que for. Mendoza fala das Filipinas, mas sua constatação talvez tenha valor universal, por mais protestos moralistas que se ouçam.
O filme ganha força pelo tipo de direção de Mendoza. Ele segue seus personagens em longos planos sequência. Dirige com a câmera na mão, como se fosse um documentarista fazendo reportagem sobre a sua sociedade. Sai das ruas miseráveis, entra numa delegacia que parece um circo de horrores. Quando o casal é preso, os policiais já deixam claro o que desejam. E, como dizem os economistas, “precificam” o perdão do crime. Primeiro, os acusados devem entregar quem é seu fornecedor, depois arranjar o dinheiro para saírem. Prender o traficante mais graduado não significa subir na corrente do crime para extirpá-lo. Apenas fisgar um peixe maior e, portanto, refém mais valioso. Porque é disso que se trata: não são prisões e sim, sequestros.
Essa visão distópica da sociedade filipina é vista como numa reportagem de TV. A câmera treme, as paisagens são sujas, os detalhes da pobreza não são poupados ao espectador, nem sofrem qualquer tipo de maquiagem. Chove o tempo todo, as pessoas se viram 24 horas do dia para sobreviver e quem deveria proteger a população, no fundo, é mais um elo do crime organizado. Filme de impacto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.