Estadão

Marta Suplicy evita palanque, mas se torna embaixatriz de Lula com o centro

Em dezembro do ano passado, a ex-prefeita Marta Suplicy, 77, causou uma saia justa em um encontro em Nova York com o empresário Michael Bloomberg e uma comitiva de autoridades brasileiras liderada pelo então governador João Doria (PSDB) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Em uma sala de reuniões na sede Bloomberg, Doria, que havia acabado de vencer as prévias presidenciais tucanas, fazia um discurso duro contra a polarização política e pregava a terceira via no Brasil quando Marta pediu a palavra e fez uma fala enfática defendendo que só o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seria capaz de vencer Jair Bolsonaro.

Quase um ano depois desse episódio, Doria se afastou da política e deixou o PSDB e Nunes se engajou na campanha do bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, de olho em enfrentar o PT na disputa municipal de 2024. Marta, porém, segue no cargo de secretária de Relações Internacionais da prefeitura enquanto atua, segundo interlocutores de Lula, como uma "embaixatriz" do petista em terrenos minados para Lula.

A ex-prefeita declarou apoio a Lula e mais recentemente anunciou que vai votar em Fernando Haddad (PT) no 2° turno da disputa paulista, mas preferiu manter uma distância regulamentar dos palanques, do horário eleitoral na TV e das redes sociais das respectivas campanhas.

Sete anos e seis meses depois de deixar o PT e apoiar em seguida o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), Marta deixou os ressentimentos de lado, reconstruiu as pontes com o partido e passou a atuar intensamente nos bastidores para aproximar o ex-presidente e de ex-adversários do campo do centro, especialmente do MDB.

Foi no apartamento de Marta, por exemplo, que a senadora Simone Tebet almoçou com Lula e selou o apoio ao ex-presidente no 2° turno na mesma mesa onde um ano antes nasceu a ideia de uma inusitada chapa unindo o petista e o ex-governador Geraldo Alckmin.

A parceria Lula-Alckmin surgiu meio por acaso em uma conversa com o marqueteiro Felipe Soutello, que dividia a mesa de Marta com marido dela, Márcio Toledo, Haddad, que, na ocasião, buscava um profissional de comunicação para comandar sua campanha.

Segundo testemunhas, Marta ficou surpresa e não acreditou que a proposta pudesse ir adiante, mas o projeto foi crescendo por outras vias e acabou dando certo. Soutello, que acabaria fazendo a campanha de Tebet, ajudou na costura do acordo com Lula no 2° turno.

Foi também no amplo apartamento de Marta no Jardins, bairro nobre de São Paulo, que a ex-prefeita reuniu quadros como Nelson Jobim e Moreira Franco, além de empresários e artistas para pedir apoio a Lula. A ex-ministra e seu marido também ajudaram a abrir um canal de diálogo de Lula com o ex-presidente Michel Temer.

A conversa, porém, foi interrompida após Lula insistir em falar em "golpismo" em debates e sabatinas.

"A Marta sempre teve muita capacidade de circular no meio político e conviver bem com os contrários. Ela é confiável, e isso permite que coopere bastante na construção de uma frente ampla", disse o ex-ministro Moreira Franco.

A frente ampla, aliás, tornou-se o mantra de Marta Suplicy desde que ela voltou à cena política no teatro da PUC-SP em 2019 em um ato do grupo Fórum Direitos Já.

"A ex-prefeita Marta Suplicy participou em 2019, do ato de lançamento do Direitos Já! no Tuca, quando pela primeira vez materializamos a Frente Ampla pela Democracia com representantes de 16 partidos. Desde então sou testemunha do papel extraordinário e obstinado que ela vem cumprindo através de inúmeras iniciativas de aproximação dos diferentes, pelo imperativo histórico de derrotar o projeto autoritário em curso no País", disse o sociólogo Fernando Guimarães, coordenador do grupo.

Segundo pessoas próximas, naquele momento o plano de Marta era ser vice de Fernando Haddad na disputa pela prefeitura da capital em 2020. O ex-prefeito era visto então também como candidato natural ao Palácio do Planalto. A ex-prefeita, porém, acabou apoiando Bruno Covas (PSDB) na disputa municipal e Haddad não disputou a vaga.

"A casa dela já era um quartel general do PT nos anos 80. Em 2022 a presença da Marta na campanha do Lula é uma demonstração de que podemos deixar as divergências de lado para focar no que é fundamental. Tanto Lula quanto Marta deixaram as diferenças de lado", afirmou o advogado Marco Aurélio Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas e um dos petistas mais próximos da ex-prefeita.

Antes de Marta embarcar de vez na campanha de Lula nos bastidores, foi Carvalho que articulou um almoço dela com o ex-presidente do PT Rui Falcão, que era um desafeto, mas assumiu uma posição de destaque no comando lulista.

"Não há mais no PT nenhuma mágoa ou rejeição a Marta. Talvez o fato dela ser secretaria do Nunes tenha pesado para ela optar por não fazer uma campanha mais ostensiva", avaliou o cientista Aldo Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

O cenário pós-eleição ainda é uma incógnita para aliados da ex-prefeita. Petistas não descartam um cargo no 1° escalão em caso de vitória de Lula, mas a disputa municipal de 2024 será um divisor de águas, já que Ricardo Nunes já anunciou uma cruzada contra o PT para tentar se reeleger.

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