Variedades

Martha Araújo faz primeira mostra individual em São Paulo

Com uma máquina de costura emprestada, a alagoana Martha Araújo criou, em 1984, em Niterói, os macacões que seriam seus primeiros “objetos performáticos”. “Era assim que eu chamava minhas obras na época”, conta a artista ao lado das já históricas peças da série Hábito/Habitante, sempre oferecidas à participação do público e que agora integram a exposição Martha Araújo – Para Um Corpo Pleno de Vazios, sua primeira mostra individual em São Paulo, em cartaz na Galeria Jaqueline Martins. Se por um lado tem sido “doído”, diz, “abrir o baú”, a criadora também considera que desde 1982, quando escutou pela primeira vez a palavra “performance” depois de fazer uma ação com tecidos no Centro de Maceió, ela não via tanto interesse institucional e mercadológico por sua arte.

“O resgate tem sido bom”, afirma Martha Araújo, aos 71 anos. Em 2014, ela participou da 12ª Bienal de Cuenca, no Equador, e da 3ª Bienal da Bahia; teve duas salas especiais no Parque Lage do Rio durante a coletiva artevida; expôs na Broadway 1602, em Nova York; e ainda foi a artista convidada da 3.ª Mostra do Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo. Para 2015, já tem agendada para maio apresentação solo na feira Frieze, nos EUA, e ida, em junho, a Buenos Aires. Agora, em sua exposição na galeria paulistana, tem a oportunidade de exibir trabalhos que até então haviam sido apenas mostrados em edições do Salão Nacional de Artes Plásticas do Museu de Arte Moderna e no Salão Carioca de Arte durante a década de 1980. “Foi a melhor época da minha vida”, diz a alagoana referindo-se ao prolífico período de 1984 e 1988, o auge de suas experimentações performáticas.

Naquela época, Martha Araújo viveu no Rio de Janeiro ao decidir sair de Maceió, onde era chamada de louca, conta, por realizar, desde menina, ações como Sapato da Vovó, Caminhadas Ancestrais, quando pendurou sobre o quadro negro da escola um calçado de sua avó, ou Apêndice Bruxuleante, performance na qual andou pelas ruas de sua cidade natal “puxando uma bruxa de pano com um barbante”.

“Estava fazendo uma pesquisa para ver a reação das pessoas diante do inusitado, que sou eu”, explicava a artista, na ocasião. “A arte para mim pertencia a outra categoria, estava entranhada na minha vida, era coisa visceral”, conta também Martha em entrevista realizada por Manuela Mosocoso, curadora de sua exposição na Jaqueline Martins, para a publicação que acompanha a mostra.

Gêmeas

Fotografias antigas exibidas nas paredes da galeria, assim como um fac-símile do texto que a artista datilografou e desenhou em 1985 para descrever os conceitos que embasavam o trabalho Roupa Coletiva – “vista-se e seja um único corpo, numa única direção”, ela declara na peça – já são parte da documentação de obras desenvolvidas entre 1984 e 1988 na Oficina de Escultura do Museu do Ingá, em Niterói. “Quando cheguei lá, o professor gostou muito porque virei uma mesa. Depois, tentei incendiar uma corda, e no final, ele me disse que tinha uma bolsa de estudo para Florença para que eu virasse uma mesa lá. Retruquei: Ah, não quero virar a mesa de ninguém, não, quero arte contemporânea”, lembra a artista. Na oficina e em aulas com outros criadores, como Tunga, Martha chegou à realização de “objetos performáticos”, roupas e aparatos de caráter escultórico confeccionados para promover experiências com o corpo.

Sem saber na época, conta, de pesquisas sobre a participação do público na obra de arte já desenvolvidas antes por criadores como Lygia Clark e Hélio Oiticica, Martha criou os macacões nas cores azul, amarelo e cinza com faixas de velcro que tinham, desde o início, a proposta de serem trabalhos sobre a liberdade.
“Sempre quis me prender para me desprender e sentir mais forte”, diz a alagoana sobre a peça da série Hábito/Habitante. Já a obra em tecido preto que se apresenta como uma grande meia-lua pendurada é mais que uma criação escultórica flutuante, um objeto para ser usado pelos visitantes.

Quando soube de Lygia Clark, na década de 1980, no Rio, Martha quis logo conhecê-la. A então já famosa artista escutou, gentilmente, a alagoana contar sobre suas criações, e, no fim da conversa, escreveu uma dedicatória no livro Meu Doce Rio, que lançava na ocasião do encontro: “À Martha, gêmea na proposição. Com carinho e alegria, Clark”. “Tenho até que digitalizar porque está velhinho (o autógrafo)”, lembra a criadora, que hoje vive em Maceió. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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