Como faz já há alguns anos, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), inicia neste mês mais um ano temático. Em sequência a Histórias da Loucura e Histórias Feministas (2015), Histórias da Infância (2016) e Histórias da Sexualidade (2017), o museu apresenta em 2018 uma série de mostras com narrativas afro-atlânticas.
A série é uma tentativa do museu de fugir da centralização europeia do acervo do Masp, explica o diretor artístico Adriano Pedrosa. “Redefinimos a missão do museu para ser mais diverso, inclusivo e plural”, diz à reportagem. “A coleção europeia é excepcional, mas temos proposto olhar para outras narrativas.”
Pedrosa, no Masp desde 2014, confessa que, há pouco tempo, quase não havia trabalhos de artistas negros no museu. “O processo para aumentar a coleção, porém, demora, ainda mais por não termos orçamento para aquisições, trabalhamos com doações.” Oportunidades surgiram, com fundos de terceiros, e o Masp agora tem Maria Auxiliadora e Heitor dos Prazeres.
A preocupação vai além da questão racial. Após receber as Guerrilla Girls no ano passado, o museu decidiu colocar em sua exposição permanente, Acervo em Transformação, uma obra criada e doada pelo grupo, feita para criticar a baixa quantidade de artistas femininas em exibição no Masp no período. “Sabemos dos números e deixamos a obra em display para chamar a atenção para esse desequilíbrio”, afirma Pedrosa.
O ano afro-atlântico vai contar com nove exposições, oito individuais e uma geral. Imagens do Aleijadinho e Maria Auxiliadora – Vida Cotidiana, Pintura e Resistência, abertas no dia 10 de março, além da individual de Emanoel Araújo, que será inaugurada em abril, são as primeiras. Melvin Edwards, Rubem Valentim, Sonia Gomes, Pedro Figar e Lucia Laguna ganham mostras no segundo semestre. Outra exposição, Basquiat afro-atlântico, foi cancelada, por conta da mostra sobre o artista no Centro Cultural Banco do Brasil, iniciada em janeiro. “Apesar de ter sido concebida em 2016 e contar com a confirmação de importantes empréstimos, acreditamos que duas exposições do mesmo artista no mesmo ano seria um desserviço a São Paulo e um mal-uso de recursos incentivados”, diz comunicado do museu.
Histórias Afro-Atlânticas, a exposição geral, entre junho e outubro, vai contar com diversos núcleos, como ocorreu em Histórias da Sexualidade, e percorrer diferentes períodos da história da arte – do século 16 aos dias atuais – para abordar as narrativas que ligam três continentes, a África, a Europa e as Américas. Em uma parceria, o Instituto Tomie Ohtake vai receber dois dos núcleos da exposição. “Somos ensinados que a arte brasileira está ligada a vanguardas europeias, mas nossas influências passam também pela África e por pares na América”, opina um dos curadores convidados para a mostra, Ayrson Heráclito. “É um desafio interessante pensar em rotas de influência artística diferentes.”
Em exposição. Com cerca de 50 obras, a mostra de Antônio Francisco Lisboa (1738-1814), o Aleijadinho, mais conhecido artista brasileiro do barroco e rococó, traz esculturas devocionais da época do Ciclo do Ouro em Minas Gerais, além de obras complementares de outros nomes, como mapas e fotografias. Evita polêmicas, como a teoria de que ele nunca teria existido, e textos explicativos. “Não quisemos um texto por obra para não tirar a atenção”, esclarece o curador Rodrigo Moura.
As figuras religiosas, de vários lugares do País, estão expostas em estruturas de vidro. “Pensamos em algo que ecoasse os cavaletes de vidro da Lina (Bo Bardi), com todas as figuras apontadas para o mesmo lado”, explica. “São peças que vieram até mesmo de altares. Pensamos em deixar o deslocamento presente na maneira de expor.”
Para Rodrigo, a ligação de Aleijadinho com a temática afro-atlântica vai além do sangue – o artista era filho de pai português com uma escrava. “Ele se destaca num contexto de artistas que trabalhavam em pequenas vilas, urbanizadas rapidamente, com uma população de maioria africana ou mestiça.”
Também mineira e descendente de escravizados, Maria Auxiliadora (1935-1974) ganha a primeira grande mostra em 37 anos – a última no próprio Masp. “Temos revisitado a história do museu. Encontramos o trabalho dela e nos chamou a atenção o ostracismo”, diz o curador Fernando Oliva. “Ela viveu num contexto em que a cultura afro-brasileira estava muito presente”, explica sobre a relação com o tema deste ano no Masp. “Ela tem um elo produtivo com festas de bairro na zona norte de São Paulo e com manifestações religiosas, como candomblé e umbanda.” As diferentes temáticas da pintora ganharam núcleos na mostra.
A exposição inclui ainda fotografias históricas e recortes de jornais da época, quando a artista era tratada como “primitiva”. “O museu tem revisto a nomenclatura, principalmente por muitas vezes vir carregada de preconceito. Adotamos o termo autodidata.” Oliva credita o “esquecimento” de Auxiliadora à falta de documentação sobre ela. Para mudar a situação, o Masp convidou 14 historiadores para colaborar no catálogo.
ALEIJADINHO E MARIA
AUXILIADORA
Masp. Av. Paulista, 1.578.
Tel. 3149-5959. 3ª a dom., 10h/18h; 5ª, 10h/20h. Até 10/6
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.