A inclusão da retrospectiva do pintor francês Paul Gauguin (1848-1903) na programação anual do Masp dedicada às Histórias Indígenas pode parecer estranha, mas os curadores da mostra, que será aberta dia 28, têm uma explicação: frequentemente suas pinturas que foram realizadas no Taiti "são vistas como reproduções fiéis da Polinésia Francesa, mas essas obras carregam em si as fantasias que um homem branco europeu tinha de uma região considerada paradisíaca".
Sua visão dos nativos passou mesmo pela redução dos taitianos a estereótipos. E mais: há algum tempo os grandes museus internacionais parecem exibir com algum constrangimento pinturas suas que retratam adolescentes da Polinésia Francesa – uma delas, de 13 anos, foi sua amante e aparece na tela Manao Tupapan (O Espírito das Trevas Vigia), de 1892, espécie de tributo a um ícone da pintura moderna na França, a voluptuosa Olympia (1863), de Manet.
Bem, o fato é que as salas de concerto não "cancelam" Wagner por seu antissemitismo. Assim, não seria justo banir as telas de Gauguin dos museus por ser o grande pintor francês um predador sexual, vítima da própria compulsão – ele morreu sifilítico.
Uma das 40 obras expostas no Masp até agosto, o seu Autorretrato (Perto do Gólgota), no acervo do museu desde 1951, mostra Gauguin como um Cristo próximo do calvário. O pintor seria vítima do sofrimento imposto pela civilização europeia – com ancestrais incas, ele buscou nos antípodas uma saída para o conservadorismo da sociedade francesa da época e acabou renegado também por eles.
Ex-corretor, Gauguin decidiu, aos 35 anos, ser pintor em período integral quando a Bolsa de Valores de Paris desmoronou. Em 1891, ele partiu para o Taiti.
<b>Curadoria</b>
A exposição do Masp traz essas obras produzidas na Polinésia Francesa e quatro autorretratos reveladores, dois deles da coleção permanente do Masp. Foram necessários cinco anos para reunir as 40 obras da mostra (21 pinturas e 19 gravuras) pertencentes a grandes museus internacionais, entre eles o Metropolitan de Nova York, o Museu d Orsay de Paris, a National Gallery e o Tate Museum, de Londres, o que atesta a reconquista do prestígio internacional do Masp.
Em muitas dessas telas os personagens se repetem. Gauguin "recombina figuras e se apropria de imagens de outras culturas", observa a curadora assistente do Masp, Laura Consendey – a exposição tem curadoria do diretor artístico do museu, Adriano Pedrosa, do curador Fernando Oliva e dela. Exemplo disso é a tela Pobre Pescador (1896), do acervo do Masp, cuja postura replica a de um faraó egípcio e a paisagem remete à estrutura formal das ondas nas gravuras japonesas Ukiyo-e.
Outra apropriação, desta vez mais próxima da cultura de seus ancestrais (a mãe era peruana), pode ser vista na tela Arii Matamoe (O Fim Real, 1892), obra de transição que exibe a cabeça de um rei taitiano morto e retratado como uma múmia inca, segundo a leitura do curador Fernando Oliva.
O empréstimo de algumas telas da exposição foi complicado, caso da obra-prima Deux Femmes Tahitiennes (Duas Mulheres Taitianas, 1899), pertencente ao Metropolitan de Nova York. Não só pelo alto valor das telas de Gauguin (Nafea Faa Ipoipo, de 1892, é a mais cara, vendida num leilão de 2015 por US$ 300 milhões). "Os museus sempre pedem uma contrapartida, não em dinheiro, mas empréstimos de outras obras à altura", conta Oliva.
<b>Serviço:</b>
Paul Gauguin: O Outro e Eu
Masp. Av. Paulista, 1.578, tel. 3149-5959.
4ª/dom., 10h/18h. 3ª, 10h/20h (Grátis). Fechado 2ª. R$ 60.
Agendamento masp.org.br/ingressos. Até 6/8
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>