Variedades

Master Class mostra o rigor com que Callas compartilhava sua arte

A cena é exemplar – Sophie, uma jovem soprano, chega ao palco para interpretar a grande ária Sonnambula, de Bellini. Logo na primeira nota, é interrompida por Maria Callas. “Sinto fazer isso com você, mas por que continuar se está no caminho errado?”, afirma a grande cantora lírica, para então resumir a forma como encarava e praticava a arte: “Não é uma nota que estamos procurando aqui, é uma pontada de dor. A dor da perda”.

Em cena na peça Master Class, Christiane Torloni traz a mesma determinação ao personificar Callas. “Busco, junto com o apoio do elenco, uma transmutação física”, explica. “Ao longo de uma vida difícil, de privações, Callas enfrentou algo como os 12 trabalhos de Hércules para se firmar como um ícone. Seu sucesso, porém, não era fruto apenas da voz brilhante, mas da forma com que ela a utilizava e que a tornava capaz de comunicar a intensidade da emoção que a ópera exige. Assim, no palco, quero ecoar as sensações que ela provocava.”
O papel parece talhado para Torloni. “Ela é uma atriz essencialmente dramática, uma das poucas do Brasil. Além disso, é extremamente focada em seu trabalho, preocupando-se com todos os detalhes”, conta o diretor José Possi Neto que, entre as orientações, pediu para a atriz observar a forma como conduzir as mãos discretamente – Callas não se expressava por gesticulações.

A ideia de montar novamente Master Class partiu do regente Fábio G. Oliveira que, ao lado de sua sócia na Maestro Entretenimento, a cantora lírica Julianne Daud, ficou empolgado com uma nova montagem realizada em 2011, na Broadway, com estrondoso sucesso. “É difícil conseguir os direitos autorais, mas aproveitamos uma brecha e conseguimos para o Brasil”, conta Oliveira, também diretor musical e que logo pensou em Possi para assumir a direção. “Quando chegamos em sua casa para fazer o convite, senti um arrepio: no escritório, havia diversos livros sobre Maria Callas – Possi é um apaixonado pela cantora”, entusiasmou-se Julianne, que vai enfrentar um desafio: o de novamente interpretar Sharon Graham, papel que viveu na montagem de 1996, com Marília Pêra à frente.

Para ela, é um momento sublime – para Callas, o canto lírico sempre foi uma profissão exigente, necessitando de um trabalho árduo, disciplinado e compromissado ao longo da vida. Não existem atalhos para o sucesso. “Isso também norteou nossa preparação, a ponto de Possi me fazer ensaiar o canto em situações inusitadas, como deitada no chão”, relembra.

Tal desprendimento marca também a participação de Christiane Torloni. “Possi me abriu vários portais ao longo da minha carreira”, comenta. “Como nunca se dá por satisfeito, ele me impõe vários desafios.” Foi assim no primeiro trabalho que realizaram juntos, na peça O Lobo de Rayban, em 1988, quando a encenação vinha em primeiro lugar. Depois, em Teu Corpo é Meu Texto, o foco foi a dança. “Agora, em Master Class, surge o canto. Em todos os casos, entendemos o teatro como um sacerdócio. E o corpo como uma linha de partitura a serviço da arte.”
A atriz acompanhou atenta os vídeos e os áudios que registraram a passagem de Callas pela Julliard – não com intenção de imitar gestos característicos, mas para apreender a força com que a grande soprano aplicava em seu ofício.

Callas reinou entre grandes nomes da arte mundial – um vídeo, aliás, vai ser exibido antes de cada sessão a fim de apresentar as principais figuras que serão citadas na peça. “Em sua última entrevista antes de morrer, Callas sentia que sua missão terminara, pois não tinha mais o que oferecer ao público”, conta a atriz.

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