Mundo das Palavras

MAYARA

Confira a coluna semanal Mundo das Palavras, assinada pelo jornalista e professor doutor Oswaldo Coimbra

O que o trabalho significa para um imigrante? Antes de tudo, obviamente, a possibilidade de simplesmente se manter no lugar para onde imigrou. E isto já representa muito para ele, pois é no novo lugar onde foi se instalar – diferente e muitas vezes, distante de seu local de origem -, que espera ter as oportunidades negadas antes a ele. Para o trabalho do imigrante não seria exagerada a imagem de uma tábua de salvação. A imagem da tábua saída de uma embarcação que afundou – sua família socialmente enraizada em outro ambiente – na qual ele se apoia, como um sobrevivente, no mar ainda desconhecido das complexidades de outro grande ajuntamento humano.

Sendo o trabalho assim tão vitalmente importante para o imigrante, é natural que a ele dedique toda sua energia. Deste modo, não surpreende que um lugar onde se concentrem milhões de imigrantes – vindos de outras cidades, outros Estados, outros países -, tenha esta atmosfera que caracteriza São Paulo, cidade-energia. Atmosfera facilmente perceptível por quem já tenha viajado muito.

Do que é capaz tanta energia mostra a cidade-mundo, como São Paulo já foi definida. Uma energia que circula por suas ruas através das pessoas que transitam nelas. Quem, por exemplo, caminha pela Avenida Paulista começa a se sentir capaz de grandes realizações, ao observar o que outras pessoas construíram ali com seu trabalho. Principalmente se, numa manhã, tiver a sorte de encontrar uma jovem branca e bonita chamada Mayara, exemplar valioso, vivo e pulsante, dos seres humanos dotados daquilo que tornou São Paulo original e admirável, para um psicólogo, um sociólogo, um antropólogo que se dedique ao estudo da alma de seus habitantes. Seu posto de trabalho fica ali: uma banca de jornal na calçada do lado do Conjunto Nacional, uma quadra adiante, para quem caminha na direção da Rua Dr. Arnaldo.

Compete a Mayara a dura missão de abrir a banca de jornal bem no início das manhãs, quando a temperatura de São Paulo, ali, nesta estação do ano, está bastante fria. Depois, ela permanece horas e horas de pé atendendo os compradores habituais de jornais e revistas. Mas este esforço não a intimida de modo algum. Ela é uma imigrante. Tem a energia e a determinação de quem aos sete anos de idade já trabalhava como cortadora de cana, em plantações do interior de Pernambuco, de onde veio. Sinais de calos surgidos naquela época, ela talvez mostre, ao frequentador da banca que peça com jeito.

Um dia, com certeza, Mayara vai se casar. E dela nascerão pequenos paulistanos. Como milhões de outras crianças de sua cidade, terão, desde cedo, em casa, para orientar suas vidas, o exemplo epopeico, heroico da mãe imigrante.

Quem sabe, a sorte deles seja ainda maior. E dela herdem também o sorriso. Belo, animador.         

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