Sem conseguir abrir um sorriso, Luiz Gabriel da Silva Lima arregalou os olhos ao ver-se no espelho, na quinta-feira. No lugar do rasgo no lábio superior, que deformava o rosto e deixava à mostra seus dentes e gengivas, estavam os pontos costurados com linha preta. “Tá bonito”, disse o menino de 2 anos e 6 meses, no colo de Roseneide da Silva, a mãe. “Chorei antes da cirurgia, de preocupação e medo. Chorei depois, de uma emoção que não dá para explicar”, descreveu a dona de casa de 29 anos, que vive com o marido agricultor em um assentamento em Jaguaretama, a 250 km de Fortaleza.
Luiz Gabriel e outras 249 crianças foram inscritas por seus pais ou parentes no dia 15 no mutirão de cirurgias de correção de lábio leporino e de palato da organização internacional Sorriso em Fortaleza. A iniciativa ocorreu em parceria com as secretarias de Saúde municipal e do Estado do Ceará e com a Fundação Beija Flor. Das 250 crianças, 92 foram operadas no Hospital Infantil Albert Sabin, onde quatro salas de cirurgias foram reservadas para o mutirão. Luiz Gabriel recebeu alta no dia 19.
No Brasil, a Operação Sorriso realizou 4.400 cirurgias nos últimos 17 anos. Presente em um total de 60 países, sobretudo pobres e emergentes, os médicos voluntários conduziram 220 mil cirurgias desde 1984, quando a organização foi fundada nos Estados Unidos. O mutirão de agosto em Santarém (PA) beneficiou 73 crianças, incluindo algumas vindas em barcos e ônibus do Amapá e de outros Estados amazônicos.
O de Fortaleza, desta vez, envolveu 65 profissionais de saúde voluntários – de psicólogos e enfermeiros a pediatras e cirurgiões plásticos. Do grupo, 12 vieram de Honduras, do Peru, da Venezuela e dos EUA. O Albert Sabin é o único hospital infantil do Ceará e está habilitado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a fazer as cirurgias de correção. Em média, realiza 20 dessas operações por mês em crianças de até 14 anos. Mas atende a outras 28 especialidades e casos bem mais severos a cada dia.
O Ministério da Saúde informou que, em 2013, 4.849 cirurgias como essas foram realizadas em todo o Brasil pelo SUS. No Estado de São Paulo, onde há centros de referência nesse campo, foram 1.835. No Ceará, apenas 187, o dobro do que a Operação Sorriso fez em apenas quatro dias e meio.
“Esperávamos cerca de 180 crianças para a triagem. Vieram 250”, surpreendeu-se o pediatra Ricardo Bastos, do Rio, diretor-geral da Operação Sorriso no Brasil, no início do mutirão de Fortaleza. “Aqui estão os excluídos. Quanto mais pequenininha a criança for operada, melhor será sua fala, sua dentição e sua inserção social.”
O objetivo da Operação Sorriso é reforçar a capacidade limitada dos sistemas públicos de saúde de realizar essas cirurgias de correção o mais cedo possível. Esse esforço evita que a criança experimente a rejeição, o preconceito e a exclusão nas escolas, creches e dentro das próprias casas – além da desnutrição e de infecções que podem custar a vida. Segundo a Operação Sorriso, bebês com essa má formação têm o dobro de chances de não sobreviver até o primeiro aniversário.
“Eu queria dar ela. Meus dois filhos mais velhos tinham nascido assim”, contou Francisca Campelo, dona de casa de 25 anos, ao lembrar o impacto de ver a filha ao fim do parto, em 2012. A mãe de Francisca a convenceu que a menina, registrada como Lindionara Vitória Campelo Ferreira, era perfeita e sua má formação seria corrigida com uma cirurgia.
Lindionara tinha duas fissuras no lábio até o dia 17, quando foi operada. Como nascera com o palato normal, já estaria dispensada de nova operação. Francisca estava acompanhada do ex-marido Paulo José Ferreira, pai de Lindionara, no hospital. A menina de 2 anos, sua mãe e seus dois irmãos moram com a avó materna na Favela Planalto Ayrton Senna, na periferia.
Pobreza
Em cada gestação, há sempre 5% de risco de o bebê nascer com essa má formação congênita. O acompanhamento médico durante a gravidez é imprescindível para prevenir esses casos porque sempre há a indicação de ingestão de ácido fólico e de vitamina B12. A ausência dessas duas substâncias está na raiz da maioria dos casos. O fator genético igualmente pesa, mas os estudos do Projeto Genoma no Brasil estão em curso. “A principal razão está na pobreza e na desnutrição”, diz o cirurgião Óscar Sarmiento, diretor técnico da Operação Sorriso em Tegucigalpa e líder da equipe que operou em Fortaleza. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.