Medo de Sérgio Moro levou Centrão a apoiar Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro adotou uma série de medidas contraditórias com a bandeira do combate à corrupção, construindo o que integrantes do Centrão chamam de "ambientes de garantia" para coibir investigações incômodas aos aliados. Embora não ocupe o espaço que tinha no passado, quando comandava os principais ministérios, o bloco formado por políticos de partidos alvejados pela Lava Jato vê nas ações do presidente o atrativo para se opor a seu impeachment, uma ameaça permanente em um governo que vive em crise.

Mais do que o conhecido apetite por cargos e verbas de emendas ao Orçamento, o interesse do Centrão se volta agora para a sobrevivência política, destaca o <i>Estadão</i>. Sem um candidato de peso para chamar de seu no campo da direita ou mesmo da centro-direita, o grupo teme que um eventual afastamento de Bolsonaro fortaleça a eleição do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro ao Palácio do Planalto, em 2022. Quando era juiz da Lava Jato, Moro foi algoz de vários dirigentes do Centrão.

Embora Moro diga que não entrará na disputa, seus movimentos são interpretados no Planalto e no Congresso como os de um político em campanha. Diante dessa perspectiva e enquanto não encontra outra alternativa, o Centrão mantém o apoio a Bolsonaro, embora o grupo tenha dado dor de cabeça ao governo em recentes votações no plenário da Câmara, nas quais o Planalto foi derrotado.

Uma das principais medidas do presidente que o aproximaram do Centrão foi tirar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) das mãos de Moro e transferi-lo para o Banco Central, um órgão técnico. Além disso, Bolsonaro sancionou a Lei de Abuso de Autoridade – com punição para agentes públicos, incluindo juízes e procuradores – e a que prevê a criação do juiz de garantias. Políticos às voltas com tribunais fizeram de tudo para aprovar esse projeto, que divide a análise de processos criminais entre dois juízes.

Na outra ponta, Bolsonaro rompeu uma tradição iniciada em 2003, quando ignorou a lista tríplice formada após votação no Ministério Público e escolheu Augusto Aras para comandar a Procuradoria-Geral da República (PGR). De perfil conservador, alinhado ao governo e em guerra com a força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, Aras tem protagonizado a mais nova polêmica que reacende a discussão sobre o combate a desvios: quer centralizar em Brasília o comando das forças-tarefa que investigam corrupção.

<b>Prisão</b>

Com o argumento de que as atenções do Planalto, neste segundo semestre, estão voltadas para a aprovação de reformas, como a tributária, Bolsonaro também não abraçou a proposta de uma emenda constitucional para resgatar a prisão após condenação em 2.ª instância, uma bandeira da Lava Jato, cujo debate deve ser retomado na Câmara em agosto.

Moro deixou o Ministério da Justiça e Segurança em abril, após abandonar 22 anos de magistratura e ter sucessivos embates com Bolsonaro. Ao sair da equipe acusando o presidente de interferir na PF para proteger filhos e amigos de investigações, o ex-juiz da Lava Jato também considerou que ele havia aposentado o mote anticorrupção. "Essas ações do presidente da República representam um enfraquecimento dos órgãos de controle e a fragilização do Estado de Direito", disse Moro ao <i>Estadão</i>.

Em novembro de 2018, após ser eleito presidente, Bolsonaro se valeu da imagem de Moro para passar a mensagem de que o ex-juiz teria autonomia no enfrentamento de irregularidades. "Parabéns à Lava Jato. O recado que eu estou dando a vocês é a própria presença do Moro no Ministério da Justiça, com todos os meios, inclusive o Coaf, para combater a corrupção. É integralmente dele o ministério. Sequer influência minha existe em qualquer cargo lá. O compromisso que eu tive com ele é carta branca para o combate à corrupção", afirmou Bolsonaro.

Desde então, no entanto, o discurso foi um e a prática, outra. Em um dos episódios mais emblemáticos, o Planalto fez acordo com o Centrão para tirar o Coaf de Moro. Na época da votação na Câmara, o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão, defendeu a medida. "O Coaf é órgão de Estado. É absolutamente inapropriado você querer dizer que, se não funcionar debaixo do poder do ministro Moro, ele não vai funcionar. Isso não existe", disse ele.

Com papel-chave nas investigações de lavagem de dinheiro, o Coaf ganhou projeção nacional após o <i>Estadão</i> revelar que o colegiado havia identificado movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Questionado sobre por que o Centrão decidiu apoiar Bolsonaro, Lira respondeu que foi o presidente quem encontrou no grupo a melhor maneira de dialogar com o Congresso. "Os partidos que formam o Centro sempre atuaram para o equilíbrio e a governabilidade", afirmou ele ao <i>Estadão</i>.

<b>Sintonia</b>

O vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), observou, por sua vez, que a política econômica do governo está em sintonia com a do partido. "Logo, não há por que não apoiar uma política que pode proporcionar reformas estruturantes e melhorar o ambiente de negócios para a geração de empregos", resumiu. "Os poderes são independentes, mas devem ser harmônicos".

Por ter hoje muito menos poder do que já tiveram, integrantes do Centrão dizem, com ironia, que deveriam ser chamados de "Centrinho". Em governos passados, o Centrão ocupava ministérios com os maiores orçamentos da Esplanada, como Minas e Energia, Cidades, Saúde e Educação. Hoje o bloco tem um único – o das Comunicações, dado ao PSD de Gilberto Kassab, que tem só 16 dos 35 parlamentares alinhados a Bolsonaro.

Pragmáticos, dirigentes do grupo admitem que cargos nos grotões os ajudam a garantir novos mandatos, mas dizem não ter sido esse o imã que os levou a Bolsonaro. Mesmo porque seus indicados atuam sob vigilância dos militares e da ala ideológica do governo. "Nós temos uma identificação muito grande com o que o presidente defende para o Brasil", afirma o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI).

Procurado, Bolsonaro informou que não comentaria o assunto. O Coaf disse, por meio de sua assessoria, que atua "de forma autônoma e técnica". A PGR observou que a escolha de Aras seguiu a Constituição. "Listas tríplices anteriores eram elaboradas a partir de um sistema de votação passível de fraude, porque não auditável, conforme auditoria realizada pela CGU (Controladoria-Geral da União) e pela Sppea (Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise)", informou a Procuradoria. A Polícia Federal não se manifestou.

O <i>Estadão</i> procurou o Ministério da Justiça na última sexta-feira para que se posicione sobre as críticas de que o governo abandonou a bandeira de combate à corrupção, mas a assessoria da pasta informou que o ministro André Mendonça não iria se manifestar sobre o assunto.

Mendonça substituiu Sérgio Moro na Justiça e é um dos nomes cotados para ser indicado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro, que já defendeu a nomeação de um evangélico – como Mendonça – para a Corte.

A reportagem encaminhou as seguintes perguntas ao Ministério, que ficaram sem resposta: "1º) Na opinião de especialistas e atores políticos, o governo está agindo para esvaziar os órgãos de fiscalização, inteligência e controle. O senhor concorda?; 2º) Quando o governo tira o Coaf do Ministério da Justiça, muda a direção-geral da PF e sanciona a Lei de Abuso de Autoridade, não está enfraquecendo esses órgãos? e 3º) O combate à corrupção é a bandeira número 1 do governo Bolsonaro?". As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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