Na semana em que morreu Karl Lagerfeld, em 19 de fevereiro, as definições em torno do Brexit seguiam incertas e a Igreja Católica realizou a maior cúpula de sua história dedicada a denúncias de abusos sexuais, a moda não deixou por menos.
Na temporada de Milão, marcas traduziram esse clima fúnebre e perverso do noticiário em coleções que evocaram um lado mais sombrio e ameaçador da humanidade. Foi o caso de três dos mais influentes desfiles da semana, encerrada na segunda, 25, os de Gucci, Prada e Marni, que investiram em coleções mais austeras, brutas e góticas.
A Gucci, no primeiro dia da temporada, deu o tom com um desfile menos decorativo, mais contido, mas ainda excêntrico em sua essência. Na passarela da grife florentina, vestidos curtinhos com rendas e brocados, costumes de shape anos 40 com calças amplas e blazers de ombros e lapelas exagerados com acabamentos rústicos, máxis camisas com florais orientais, brilhos de sedas, cetins e lamês, um pouco de streetwear aqui e ali, tudo ao mesmo tempo agora, junto e misturado, como gosta o diretor criativo da grife, Alessandro Michele.
“Os trajes são como uma máscara que usamos para nos defender e nos definir”, declarou o estilista, depois da apresentação. As máscaras, no caso, eram também literais. Em diversas variações, elas cobriam rosto, olhos e orelhas dos modelos que vestiam como acessórios colares e correntes com tachas de metal pontiagudas.
O tom de ameaça, o perigo e o medo estão no ar. E a Prada reforçou o fundamento numa coleção de mood gótico, que trazia motivos de Frankenstein e de sua noiva, de flores, algumas desmilinguidas, bordadas em tecido sobre os vestidos estampados, além de rendas, coturnos pesadões e uniformes utilitários em verde militar. “Eu sinto medo de verdade”, disse Miuccia Prada. “Todos esses partidos e situações violentos na Europa, racismo… Em outro século, já haveria uma guerra”, completou a estilista.
Na Marni, do estilista Francesco Risso, essa atmosfera reverberou tendo como fio condutor uma mistura inusitada de erotismo e neurologia, cérebro e instinto. Na coleção isso se materializa num mix de alfaiataria, fetiche e punk, com tops e vestidos camisola em seda, robes em couro, casacos com bordados de piercings e aplicações de correntes e metais.
Numa temporada com quase 60 desfiles em apenas seis dias há muitas outras propostas. Entre elas, destacam-se grifes que vêm revisitando seu passado, como Dolce & Gabbana, Fendi, Giorgio Armani e Versace.
Dolce & Gabbana abandonou o foco em desfiles estrelados por celebridades das redes para investir numa apresentação elegante, fiel ao seu DNA. A Versace olhou para os anos 90, a moda grunge e suas criações da época.
Armani, retrabalhando clássicos, investiu em criações atemporais em cinza, preto e azul, sua cor favorita.
O desfile da Fendi, o último desenhado por Lagerfeld, causou comoção e trouxe o icônico colarinho alto do estilista como fundamento. Em uma era de tensão, relembrar dos bons tempos, pode ser reviver.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.