Sílvio Guindane trabalhava na nova temporada de A Divisão quando a pandemia interrompeu as gravações. O Brasil desacelerou, senão parou. Há seis semanas – esta é a sétima – ele cumpre o isolamento social. Tem aproveitado para tocar um novo projeto, ao qual está entregue completamente – a adaptação, para o teatro, de Tempo de Despertar, o livro do Dr. Oliver Sacks que virou filme com Robin Williams e Robert De Niro. Não é o único experimento do gênero de Guindane. Ele já transformou Perfume de Mulher em peça de sucesso. Está cheio de expectativa.
"Você conhece O Perfume melhor do que eu. O original italiano (de Dino Risi, com Vittorio Gassman, que venceu como melhor ator no Festival de Cannes), o remake com Al Pacino (que ganhou o Oscar). Viajamos o Brasil inteiro com a peça, foi uma loucura, ainda estávamos em cartaz." O "estávamos" inclui Pedro Brício e Walter Lima Jr., que adaptaram com ele (e o segundo dirigiu), mais Gabriela Duarte e Eduardo Melo. Guindane brinca que pensava em fazer o garoto, mas demorou tanto para levantar a produção que terminou fazendo o militar, Fausto.
Tempo de Despertar será agora ainda maior, e mais abrangente. O filme inspira-se no livro em que Dr. Sacks narra seu experimento humano e social. Neurologista, ele usou uma nova droga para reanimar pacientes de encefalite letárgica que sofriam de uma doença do sono. "O filme é muito forte e o livro é ainda mais. Essas pessoas viviam presas a um mundo interior onírico, meio sonho, meio pesadelo. Os raros momentos de vigília vinham acompanhados de aflição, de angústia." O filme centra-se na relação do médico com um paciente. "Mas eu penso numa coisa bem ambiciosa, quero reconstruir no palco a clínica com seus pacientes, cada um com sua singularidade. Vai ser um espetáculo com muitos atores."
Guindane conseguiu viajar com Perfume de Mulher porque era um espetáculo com elenco reduzido. Outro elenco assim extenso, com 18 pessoas em cena, será mais complicado, vai exigir recursos, logística, mas isso será depois. Por enquanto ele revisa o texto. "Não me canso de tentar aprimorar, penso no elenco. Já tinha parcerias engatilhadas, mas agora atrasou tudo, vamos ter os problemas de agenda." Guindane separou-se da cineasta Júlia Rezende, com quem viveu mais de dez anos. "Mas continuamos melhores amigos. A Júlia vai ser sempre superimportante para mim. É a mãe do meu filho."
Ele destacou-se garoto no filme de Murilo Salles, Assim Nascem os Anjos, de 1996. Cresceu aos olhos do público, virou homem, pai – do João, de 2 anos. Admite que a paternidade lhe deu outra perspectiva. "Me deu maturidade, hoje sinto que sou outro cara." A mudança transparece na própria interpretação. O delegado Mendonça de A Divisão é produto dessa nova fase. O filme e a temporada estão disponíveis no GloboPlay.
A divisão antissequestro da polícia. Dois policiais antagônicos. O que transgride com a corrupção mas se redime, Santiago, interpretado por Erom Cordeiro. O íntegro, Mendonça, que pisa na bola ao se colocar acima da lei. O filme é bom, os atores excepcionais. "Ganhamos críticas ótimas, o público aprovou." É uma pegada diferente da de Tropa de Elite. "Com certeza. Vicente Amorim (o diretor) trabalhou sempre com dois produtos, para TV e cinema. Sempre quis humanizar os personagens, mas nunca fez de nós heróis aos olhos do público. A nova temporada prossegue do final do filme, o Santiago preso, Mendonça tendo de lidar com o mundo da política, que abomina."
Guindane tem outra série na Globo, Segunda Chamada, em que faz um professor da rede pública. Professor, delegado – Guindane tem conseguido fugir ao estereótipo da representação do negro no audiovisual brasileiro, mas em mais de 20 anos de carreira ele sabe bem como é o racismo cotidiano. "Não tenho problema, mas gosto muito quando a raça não é determinante, e o papel poderia ser feito por um ator branco. É raro o protagonismo do ator preto, e em personagem que não seja pobre ou favelado", reflete.
Seu ritmo é intenso. Trabalha muito, até pequenos papéis em comédias. Por quê? "Acho que faço para me testar. Recuso muita coisa, muito mais do que você imagina, mas gosto de trabalhar as minhas ferramentas de ator, ver até onde consigo ir. Comédia é coisa séria, é como fazer tragédia. E me atrai porque é difícil, tem ali um timing que não é mole, brô. Ou você acerta o tom, ou lascou. Não tem nada pior que a comédia sem graça."
Nesses anos todos, Guindane tem sido amigo de Murilo Salles.
"Brinco que ele é um dos meus pais do cinema, com o (José) Joffily, o (Antônio) Pitanga. Sempre conversamos sobre ele adaptar o (Luiz Alfredo) Garcia-Roza, até que o Murilo me disse, num jantar: Só faço se for com você. Pois vamos fazer. Um policial, mas não com o Espinosa, mas com o auxiliar dele, o Welber, que não é de Copacabana, mas da periferia, como eu, que nasci na Baixada Fluminense. É uma história bacana, e o Murilo é um grande diretor. Coloco a maior fé."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>