Variedades

Meio-soprano Angelika Kirchschlager mostra canções de Schubert na Sala São Paulo

Como Mozart, a meio-soprano Angelika Kirchschlager nasceu em Salzburgo. E, como o compositor, a certa altura se deu conta de que sua jornada na música só estaria completa com a mudança para Viena. De lá, ela nunca mais saiu, a não ser para atuar como artista convidada nos principais palcos do mundo. “Mas Viena simboliza o que eu considero como a tradição em que nasci, a cultura que realmente amo, a música que me move”, ela afirma, em entrevista ao Estado. “Com o tempo, me dei conta de que sou uma espécie de embaixadora desse mundo.”

Não é fruto do acaso, portanto, o programa que ela escolheu para os dois concertos que realiza nesta terça, 5, e quarta, 6, na Sala São Paulo, abrindo a temporada de 35 anos do Mozarteum Brasileiro. Acompanhada pelos músicos da Cappella Istropolitana, ela inicia as apresentações com uma seleção de canções de Schubert: Na Primavera, A Tília, O Rei dos Elfos e Ave Maria. Em seguida, interpreta trechos de operetas de compositores como Johann Strauss, Robert Stolz e Richard Heuberger. A orquestra, sem a solista, interpreta ainda valsas, aberturas e marchas desses três compositores, além da Sinfonia n.º 3 de Schubert, sob regência de Robert Marecek.

Do intimismo das canções de Schubert ao universo extrovertido das operetas, o caminho parece razoavelmente longo – talvez até demais. Mas não para Kirchschlager. De novo, Viena. “O que me parece interessante é pensar tanto as canções de Schubert como os trechos de operetas como frutos de um mesmo mundo, de uma mesma tradição musical. As schubertíades, encontros privados feitos entre artistas e público para tocar a música do compositor na sua época, são um símbolo do que foi a vida musical vienense. E as canções dele, de alguma forma, se tornaram para os austríacos algo muito natural, parte da nossa cultura, são conhecidas como uma espécie de folclore que nos é próprio. Nesse sentido, a combinação que imaginamos me parece fazer muito sentido. Espero que para o público também.”

Angelika Kirchschlager começou a carreira dedicando-se tanto à ópera quanto ao repertório de canções. Com o tempo, porém, foi abandonando as montagens líricas e se concentrando em recitais. Gravou discos preciosos dedicados a Brahms, Schumann, Mahler. Mas, com Schubert, diz ter uma relação diferente. “Talvez seja o fato de que moro na mesma rua em que ele viveu durante muito tempo, e todo dia passo em frente de sua casa”, ela brinca. Mas não só. “No fundo, Schubert me parece ser o mais complexo compositor de canções. Sua música soa, para quem ouve, profundamente fácil e natural. Mas, para o intérprete, é um universo difícil de acessar. Os temas de que ele fala, amor, natureza, sofrimento, alegria, religião, enfim, todos esses assuntos estão fortemente arraigados na alma dele e na nossa. É por isso que interpretá-lo, encontrando a medida certa, é um desafio para toda a vida.”

Para a soprano, a música de Schubert carrega uma complexidade que não se encontra, por exemplo, em Schumann ou Brahms. “Ele é muito mais difícil. Schumann trabalha essencialmente com o colorido. Brahms é profundamente romântico. Está nesses dois aspectos a chave para interpretá-los. Em Schubert, é necessário explorar cada nota, cada inflexão, pois cada elemento carrega um sentido específico.”

Música de câmara

Ópera e canções lidam essencialmente com o mesmo instrumento: a voz humana. Ainda assim, ela vê que o repertório operístico acaba atraindo mais atenção do que o cancioneiro – e se ressente disso. “Na ópera, tudo é grande. Nas canções, não. Cada uma delas é uma pequena joia, exige um outro tipo de sensibilidade. Talvez por isso alguns possam dizer que elas são mais difíceis de ouvir. Sim, uma canção carrega a capacidade de fazer você refletir sobre você mesmo e isso significa uma audição mais ativa, mais envolvida, o que não parece ser a tônica da nossa época. Mas, até por isso, entendo a canção como uma advogada da nossa necessidade de silêncio, de calma, de espaço. Precisamos desse tempo, todos nós, e perdê-lo de vez terá consequências graves”, acredita. E como popularizar esse repertório? “Tirando ele desse panteão de ouro em que foi colocado. Quando falo que ele deve ser ouvido de forma mais ativa, não quero dizer que ele é destinado a especialistas. Pelo contrário. Ouvido e coração aberto: nada mais é necessário para apreciá-lo.”

Kirchschlager tem se dedicado cada vez mais também a dar aulas. Começou a atuar como professora há cerca de oito anos. “Eu não sabia muito bem o que esperar, de certa forma posso dizer que meu método nasceu depois do contato com os alunos, da percepção que tive daquilo que eles me traziam”, ela explica. E que percepção foi essa? “Eu encontrei um universo de cantores jovens, talentosos, tecnicamente excelentes. Mas poucos deles sabiam de fato explicar por que cantavam. Isso é trágico. Há uma responsabilidade no ato de cantar, de falar com as pessoas. E se você não sabe o motivo que te levou a fazer isso, temos um problema. Antes de saber cantar, é preciso saber pensar. Perante uma obra, ao estudá-la, o cantor deve antes de mais nada entender o que quer dizer por meio daquela peça. Com isso resolvido, começa a busca pela melhor forma de fazê-lo. E, quando o cantor se dá conta disso e põe esse conceito em prática, sua técnica naturalmente melhora. Não há mistério algum nisso. Quando o artista está em contato com a sua personalidade, ele se dá conta de que é isso que sustenta o seu fazer artístico, é o que o mantém vivo no palco.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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