Mundo das Palavras

“Melhor idade”?


Há pessoas que agem, hoje, como se ainda vivessem nas cavernas, no início da História da Humanidade. Para identificar o comportamento destas pessoas, um psicoterapeuta de São Paulo costumava mencionar o consumo de carne bovina, nas refeições. As pessoas com tendência à barbárie, segundo ele, se dispõem a ingerir este alimento, quase cru, acrescido de qualquer tempero, indiferentes às circunstâncias que cercam suas refeições, movidas unicamente pela preocupação de não sentirem fome. Já pessoas civilizadas, transformam a necessidade primária de alimentarem seus corpos, numa fonte dos mais variados prazeres. Alguns proporcionados pela intensidade da chama do fogo usada no cozimento da carne. Outros, pela diversidade de alterações no gosto da carne criadas pela infinidade de ingredientes com os quais ela pode ser temperada. Outros, por fim, garantidos por um ambiente propício a uma refeição tranqüila, relaxada.


 


Para resumir seu pensamento, o psicoterapeuta dizia: duas pessoas comem carne. Pode ser, no entanto, que, ao fazerem isto, uma se limite a atender a uma necessidade primária, animal. Enquanto a outra transforma este atendimento numa atividade cheia de requintes. Estes requintes, ele concluía, constituem aquilo que chamamos de civilização. É aquilo que, ao longo da sua História, os homens foram aprendendo a fazer para se distinguirem dos animais irracionais, tornando a existência deles desfrutável, agradável, prazerosa.


 


O psicoterapeuta mostrava isto no campo dos comportamentos humanos ligados à culinária. Mas, obviamente, o raciocínio dele pode ser estendido aos comportamentos relacionados a muitos outros campos da existência humana.


 


Há poucos dias Joaquim Falcão postou na internet um texto no qual exprimia seu espanto com o comportamento de um homem, na hora em que ambos iam entrar num avião.  O homem, identificado por Falcão como “um executivo”, portava “terno azul marinho e gravata listrada, pasta de couro e sapato de bicão”. E se plantou na frente da fila de embarque. Na hora em que a aeromoça já conferia os tiques de embarque, um senhor idoso, se aproximou dele. O homem se alterou e repreendeu-o em voz alta: “Tem que entrar na fila”.  “Mas eu sou idoso”, respondeu o outro, invocando seu direito à prioridade.  “E eu sou ouro”, retrucou o homem. “E não se mexeu como se de ouro fosse mesmo”, acrescentou Falcão.


 


Diante daquela cena, prosseguiu o articulista: “A mãe com um carrinho, a criança e a babá, que também caminhavam para a frente da fila, acreditando-se prioridades, nem ousaram mais se aproximar. Uma jovem com dificuldade de andar parou onde estava”.


 


De um ponto de vista legal, lembrou Falcão, quem estava amparado era o idoso. A prioridade dele fora determinada por lei, enquanto a do homem decorria de uma promoção publicitária criada por uma empresa de aviação. Mas a questão de fundo não era esta. E sim aquela embutida no raciocínio do psicoterapeuta. E que pode ser formulada apenas com uma pergunta: que desfrute de prazer nos proporcionará a vida se, na hora de atendermos a uma necessidade básica como a de nos deslocarmos através de um meio de transporte coletivo, tivermos de atropelar velhos, crianças e deficientes físicos?


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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