Ao arquivar o pedido apresentado por partidos de oposição ao governo para apreender o celular do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), não deixou passar em branco a resistência presidencial em cumprir eventual ordem judicial adversa.
No último dia 22, Bolsonaro disse que, mesmo que houvesse uma decisão neste sentido, não entregaria o aparelho. "No meu entender, com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal, nem deveria ter encaminhado ao Procurador-Geral da República. Tá na cara que eu jamais entregaria meu celular. A troco de quê? Alguém está achando que eu sou um rato para entregar um telefone meu numa circunstância como essa?", afirmou em entrevista à Rádio Jovem Pan.
Na decisão desta terça, 2, o decano decidiu em favor de Bolsonaro, mas fez questão de observar que o desrespeito a decisões judiciais por ato de puro arbítrio é ilegal e, no caso do presidente, configuraria crime de responsabilidade. A tipificação é pré-requisito para a abertura de um processo de impeachment.
O decano destacou que cabem aos magistrados os deveres de repelir condutas governamentais abusivas, neutralizar qualquer ensaio de opressão estatal e impedir a captura do Estado e de suas instituições por agentes que desconhecem o significado da supremacia da Constituição.
Em diferentes trechos do parecer, a postura de Bolsonaro foi classificada pelo ministro mais longevo do STF como um ato de insubordinação e gesto de frontal transgressão à autoridade da própria Constituição da República.
Diante da crescente de ataques dirigidos por apoiadores bolsonaristas e integrantes do próprio governo ao STF, Celso de Mello saiu em defesa da Corte e relembrou outros episódios de conflito entre os Poderes em razão de descumprimentos de decisões judiciais pelos ocupantes da cadeira presidencial.
Apesar da similaridade, na visão do ministro, os momentos históricos mencionados por ele na decisão guardam entre si mais de um século de distância. Os marechais Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca, que governaram o País em sequência nos primeiros anos da República, de 1889 a 1894, foram os últimos a se insubordinarem contra decisões do Supremo Tribunal Federal.
"Tal rememoração se faz necessária para que jamais se repitam comportamentos inconstitucionais de anteriores Presidentes da República, que ousaram descumprir decisões emanadas desta Corte Suprema", observou o ministro.
Para o decano, na democracia não há espaço para o voluntário e arbitrário desrespeito ao cumprimento das decisões judiciais, pois a recusa de aceitar o comando emergente dos atos sentenciais, sem justa razão, fere o próprio núcleo conformador e legitimador da separação de poderes, que traduz postulado essencial inerente à organização do Estado no plano de nosso sistema constitucional.
Parafraseando o ex-deputado federal, Ulysses Guimarães (MDB), morto em 1992, Celso de Mello incluiu na decisão um trecho do discurso do então presidente do Congresso no encerramento da Assembleia Constituinte, em outubro de 1988:
"A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério".
<b>O pedido</b>
Os partidos PDT, PSB e PV haviam solicitado ao Supremo a apreensão dos celulares do presidente e do seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), para que provas fossem colhidas no âmbito das investigações sobre interferência política do presidente na Polícia Federal. Os requerimentos foram encaminhados pelo ministro Celso de Mello para análise do procurador-geral da República, Augusto Aras, que se manifestou contra o pedido.
O mero encaminhamento à PGR inflamou a militância bolsonarista e levou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, a divulgar nota classificando como inconcebível a requisição. Heleno afirmou ainda que, caso fosse aceita, a medida poderia ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional.