Na primeira cena de Men: Faces do Medo, Harper (Jessie Buckley) vê um homem caindo de uma altura considerável – um prédio, talvez? Ela está sangrando pelo nariz e esse homem, ainda que não tenha sua identidade revelada logo de cara, parece ter alguma conexão com a personagem. Dá para sentir pelo olhar. A partir daí, acompanhamos essa mulher em uma jornada, física e emocional, que envolve diretamente esse acontecimento.
Dirigido por Alex Garland (de Ex-Machina e Aniquilação), o longa traz todos os elementos que esse cineasta mostrou em outras produções: uma ambientação que se equilibra entre o drama e a fantasia, cenários que provocam e instigam, personagens estranhos e, acima de tudo, algum tipo de comentário. Mas, enquanto na maioria das suas produções falou sobre ciência, tecnologia e ser humano, aqui ele fala sobre abalos emocionais.
Harper, afinal, passou por um processo complicado. Teve um relacionamento abusivo, sofreu. Buckley, que se tornou a diva dos cineastas complicados (vide Estou Pensando em Acabar com Tudo), trafega nesse mar revolto, segura de sua atuação. Já o diretor coloca elementos para fazer com que o público quebre a cabeça. São atores que se repetem em cena, que tomam atitudes imprevisíveis, que flertam com a ficção não realista.
É uma ideia, segundo Garland, que nasceu há tempos. "Escrevi esse roteiro há mais de 15 anos", conta o diretor, em entrevista ao site Collider. "Acho que escrevi o primeiro rascunho entre Sunshine: Alerta Solar e Não me Abandone Jamais, que já faz muito tempo. Houve uma, duas, pelo menos três e talvez quatro versões completamente diferentes antes desta, que é a quarta ou a quinta. Por vezes retrabalho e eles mudam com o tempo."
Claramente Men: Faces do Medo é fruto de uma Hollywood que passou não só a entender o que é um relacionamento abusivo como a condená-lo em movimentos como Me Too e Times Up. É fruto de um novo momento.
<b>CORES</b>
No visual, enquanto isso, Garland e o diretor de fotografia Rob Hardy brincam com os sentidos, alternando as cores inteligentemente entre passado e presente. "É um esquema de cores muito simples, de vermelho e verde. Usamos o vermelho em lugares muito seletivos e depois cronometramos nossas filmagens", diz. Apesar da clareza de cores e sobre o que é a história, Men: Faces do Medo está longe de ser simples. Termina deixando um ponto de interrogação na cabeça. Mostra que Garland, cada vez mais, está buscando um cinema-cabeça, que deixa as ideias e histórias no ar para, depois, induzir o espectador a refletir a respeito.
Segundo o diretor, não houve pressão da produtora A24 para criar uma história com começo, meio e fim. "No início da minha vida cinematográfica, eu estava sob muita pressão o tempo todo para explicar de todos os tipos de áreas diferentes", disse o diretor ao Collider. "Gosto de filmes nos quais você, como espectador, tem que participar. Nem tudo é fornecido. Isso significa não responder a todas as perguntas em alguns aspectos, não dar tudo de bandeja. A A24 me deu apoio, a cada passo ao longo do caminho; pré-produção até a edição. E é um filme bastante desafiador, então sou grato."
Apesar de estar grato, Garland indica que está cansado. Depois de Men: Faces de um Medo, o cineasta já caiu de cabeça nas gravações do filme Civil War, com Kirsten Dunst e Wagner Moura. Depois disso? "Estou pensando em parar de dirigir por um tempo", disse ao Collider. A ideia, diz ele, é escrever para que outros dirijam.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>