O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, votou contra o que chamou de linha drástica da responsabilização automática do Estado por vítimas de disparos durante operações quando não há conclusão sobre de onde partiu a bala. O ministro diz que não há razão para que o Poder Judiciário fomente a inércia das forças de segurança pública.
Ele sustenta que o objetivo de seu posicionamento é não desestimular a atuação pública ao não induzir sobremodo o reconhecimento do nexo causal contra o Estado e assim evitar carrear, integralmente, a responsabilidade civil quando não conclusiva a perícia nos casos de bala perdida em confrontos armados com as forças de segurança .
O voto foi depositado em julgamento retomado nesta sexta-feira, 1º, do Plenário virtual. A discussão do caso estava suspensa desde outubro, quando Mendonça pediu mais tempo para analisar o caso. Na quinta-feira, 29, o processo foi devolvido ao Plenário, automaticamente, após se esgotar prazo regimental de 90 dias para pedidos de vista. Em seguida, Mendonça juntou seu voto aos autos do processo. Os demais ministros têm até a próxima sexta, 8, para se manifestarem sobre a ação.
O placar do julgamento está em 2 a 1. Os ministros Edson Fachin e Rosa Weber defenderam que o governo fluminense é responsável por vítimas de disparos durante operações quando não há conclusão sobre de onde partiu a bala. Já Mendonça divergiu parcialmente de Fachin, defendendo que o Estado possa se eximir da responsabilização civil, caso demonstre a total impossibilidade da perícia, mediante o emprego tempestivo dos instrumentos técnicos disponíveis, para elucidação dos fatos .
Os ministros discutem um caso específico, o do assassinato de Vanderlei Conceição de Albuquerque em meio a troca de tiros entre traficantes e a Força de Pacificação do Exército. No bojo de tal processo reconhecida repercussão geral, ou seja, será fixada uma tese de julgamento que valerá para processos semelhantes em todo o País.
O assunto chegou à Corte máxima após um recurso dos familiares de Vanderlei contra decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio) que afastou a responsabilidade do Estado pela morte sob o argumento de que não teria restado comprovado que o disparo que alvejou a vítima tenha sido efetivamente realizado por militares.
O entendimento da Sétima Turma Especializada do TRF-2 foi a perícia foi inconclusiva em relação à origem do disparo do projétil que atingiu Vanderlei e assim não seria viável reconhecer o nexo de causalidade entre a conduta do Estado e a morte – ponto chave para a responsabilização do Estado e o consequente dever de indenizar.
Já o relator do tema no Supremo Tribunal Federal, o ministro Edson Fachin, discordou da Corte regional ressaltando que a Vanderlei foi atingido durante uma operação da Força de Pacificação do Exército no Complexo da Maré, sendo que, segundo relatório da Polícia Civil, é evidente que a operação desencadeou a troca de tiros.
Para o relator, não é necessário saber que o projétil que atingiu Vanderlei foi disparado da arma dos militares ou dos traficantes, mas sim se houve operação da Força de Pacificação do Exército no momento e no local em que a vítima foi atingida. Segundo o ministro, ao realizar a operação em zona habitada e desencadear intensa troca de tiros , os militares descumprem com o seu dever de diligência, a ensejar a responsabilidade objetiva do Estado .
Fachin seguiu explicando que é possível que a responsabilidade não recaia sobre o Estado, mas este tem de comprovar força maior, caso fortuito , fato exclusivo da vítima ou de terceiro – o que não ocorreu no caso. Além disso, o ministro apontou nítida falha estatal em cumprir o dever de investigar a morte de Vanderlei.
Nessa linha, o relator votou por condenar a União e o Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de indenização de R$ 200 mil para cada um dos pais de Vanderlei, além de R$ 100 mil para o irmão da vítima. Além disso, propôs que o poder público ressarça a família pelas despesas com o funeral e ainda pague pensão vitalícia.
Quanto à tese a ser fixada pela Corte máxima, Fachin propôs a seguinte redação: "Sem perícia conclusiva que afaste o nexo, há responsabilidade do Estado pelas causalidades em operações de segurança pública".
Já Mendonça argumenta que não é possível estabelecer, de antemão, o chamado nexo de causalidade entre a morte por bala perdida e a ação do Estado.
"A formação do nexo causal não se presume para toda e qualquer operação policial, menos ainda, em localidades nas quais o conflito é mais provável, quais sejam, naquelas regiões onde mais evidentes os vícios de uma nação desigual, em que predomina a falta do Estado em uma série de variáveis, como moradia, oportunidade de trabalho, educação, saneamento básico e segurança pública", argumentou.
O ministro fez uma proposta que considera estar em linha com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade , permitindo a aplicação de critérios de responsabilização do Estado de maneira facilitada, sem, contudo, tomar a linha drástica da responsabilização automática . Assim, Mendonça defende a possibilidade de o Estado se eximir da responsabilização quando demonstrar que, no caso concreto, apesar de todos os esforços técnicos, e em tempo razoável que não inviabilize a colheita de provas ou informações, a perícia invariavelmente seria não conclusiva .
"A título de exemplo, são oportunos os exames de balística, de papiloscopia, de corpo de delito ou de necropsia, de documentos afins ao planejamento da operação e a imagens de câmeras privadas e de monitoramento público disponíveis, além da oitiva de testemunhas e dos agentes policiais ou militares. Logo, não estaríamos de antemão a carrear o ônus probatório integralmente ao Estado, mas a esmaecer a dificuldade da prova do nexo causal em determinadas hipóteses, sem prejuízo de o Poder Judiciário, na casuística de novos processos, conceber os mais diversos standards", argumentou.
Em uma vertente diferente de Fachin, Mendonça propõe que o STF fixe a seguinte tese: "O Estado é responsável por morte de vítima de disparo de arma de fogo durante operações policiais ou militares em comunidade, quando a perícia que determina a origem do disparo for inconclusiva, desde que se mostre plausível o alvejamento por agente de segurança pública; Poderá o Estado se eximir da responsabilização civil, caso demonstre a total impossibilidade da perícia, mediante o emprego tempestivo dos instrumentos técnicos disponíveis, para elucidação dos fatos".
Já com relação ao caso concreto, o ministro defendeu a condenação apenas da União ao pagamento da indenização por danos morais, sob o argumento de que não houve participação da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro no momento dos fatos .