“Uma das mulheres mais bonitas que a França já mandou para o Brasil”. Quando o jornalista Amaury Júnior definiu assim Alexandra Baldeh Loras, no seu programa de televisão, certamente contrariou algumas senhoras da sociedade paulistana. Aquelas que não cumprimentam Alexandra na porta da casa dela por pensarem que ela seja uma empregada.
Sim, de fato, Alexandra é linda. Negra. E também consulesa da França, em São Paulo. Estes incidentes de invisibilidade – tremendas gafes e grosserias cometidas pelas madames -, ocorrem quando ela recebe convidados na porta do seu consulado, conforme determina protocolo diplomático. Alexandra falou deles sentada no sofá de entrevistados do programa Jô Soares. Toda vestida de branco. Em solidariedade a outras vítimas de invisibilidade social – como explicou -: às babás obrigadas, nos clubes de elite de São Paulo, a usarem uniformes brancos. Pois a presença delas não precisa ser registrada pelos sócios destes clubes. Cuja atenção deve se voltar para quem tem o mesmo status social deles.
Instigada por Jô a falar sobre situações embaraçosas que já enfrentou, Alexandra pediu licença e se dirigiu diretamente ao público presente à gravação do programa. De pé, propôs este exercício de imaginação:
“Imaginem um mundo onde tudo o que seja considerado sutil, inteligente, lindo, maravilhoso se atribua aos negros. Que sejam negros os revolucionários, historiadores, inventores, filósofos, escritores. E até Jesus e Deus. Imaginem que seja igualmente de negros a maioria dos personagens de desenhos animados assistidos pelas crianças. Inclusive princesas e príncipes. Imaginem que, nas novelas, a mulher branca seja sempre a faxineira. E que a safada capaz de manchar a honra do homem negro rico também seja branca. Assim como branco seja o criminoso, traficante de droga. Imaginem ainda que só existam duas páginas, nos livros didáticos sobre os brancos. E nelas, sejam sempre apresentados só como escravos”.
Depois, Alexandra fez três perguntas àquela plateia: “Como seria este mundo?”. “Não seria cruel ver as pessoas brancas assim?”. “Não seria chocante?”.
Então, ela concluiu: “Pois este é o nosso mundo. Porque somos negros”.
Ali, na frente das câmeras, provavelmente sem saber, Alexandra desvendou, deste modo, a perversa engrenagem social que produz graves danos na identidade e na autoestima das crianças negras. Danos demonstrados pelo psicólogo norte-americano Kenneth Clark, numa experiência realizada há 50 anos. Mas que ainda hoje é repetida nos Estados Unidos e no México, durante a execução de projetos oficiais de combate aos preconceitos.
Kenneth colocou dois bonecos brancos e dois negros diante de meninos e meninas, de idades entre 3 e 10 anos. Todos negros. Incialmente pediu a elas apontarem os bonecos que achavam bonitos e bons. As crianças indicaram os brancos. Depois, pediu-lhes para mostrar os bonecos maus e feios. Elas apontaram para os negros. Por fim, Kenneth indagou a cada criança: “Com qual você se parece”? Uma a uma, elas ergueram seus dedinhos indicadores na direção dos bonecos negros. Imensamente desoladas e vergonhadas. Muito distantes daquele mundo imaginado por Alexandra.