“Olha, tia, a casinha que eu fiz”, se orgulha Pedro (nome fictício) do caixote coberto por uma estrutura de madeira que o protege da chuva. Desde a última quinta-feira, o garoto se refugia pela segunda vez na Rua Veiga Filho, no bairro Higienópolis, região central de São Paulo. No início de agosto, Pedro fugiu de casa, em Cachoeiras do Macacu, cidade vizinha a Nova Friburgo (RJ), e passou a viver sobre uma árvore. Durante uma semana, sofreu a resistência de moradores do bairro pela sua presença e foi amparado por outros vizinhos, que o apelidaram de menino-passarinho e localizaram sua família.
Pedro se escondeu na carroceria de um caminhão em Nova Friburgo e aportou em São Paulo, assim como antes. O menino de 15 anos conta que está aprendendo a ler e identificou na placa do veículo duas palavras: “São Paulo”. Logo soube que podia embarcar, pois chegaria ao seu destino. Na capital, perguntou para pedestres a direção do bairro Higienópolis, única referência que se lembrava. “Disseram que, de onde eu estava, precisava pegar Metrô e ônibus. Mas eu não tinha dinheiro, vim a pé mesmo”, relata sobre a aventura de retornar à Rua Veiga Filho.
Pela manhã, preserva o ritual para acordar. Esfrega os olhos e esconde o rosto da claridade do dia. Deitado sobre um tapete do tipo capacho, encontrado no lixo, procura com as mãos um saco de papel. De dentro, tira seu café da manhã: algumas batatas fritas, que coloca na boca como se fossem o último alimento disponível na cidade. Não vive mais sobre a árvore porque “disseram que não pode”. “Agora chega, não vou falar mais nada. Depois vocês fazem fofoca pra minha mãe e ela vem me buscar. Ela sabe que estou aqui, eu disse que ia voltar. E não vou falar mais nada, não.”
A resistência em voltar para casa foi notada pela psicóloga e terapeuta Luciana Sodré Cardoso, moradora do Edifício Santa Emília, que fica em frente à casa improvisada de Pedro. Em agosto, Luciana convocou uma vigília para proteger o garoto enquanto sua família estava a caminho para buscá-lo. “Fui firme quando o vi de novo aqui. Ele tem família, tem mãe, não vamos cuidar dele. O que sabemos é que ele tem muita energia acumulada. Ele quer sair de casa, mas a mãe não permite. A fuga para ele é uma questão de sobrevivência.
Tentam embotar os sentimentos do garoto. Ele foge para viver”, desabafa. Da sacada do seu apartamento, no segundo andar, Luciana observa de longe os dias de Pedro.
A terapeuta teme pela reação dos moradores da região, que se mostraram pouco receptivos à presença do garoto em agosto. Por isso, evita passar muito tempo com ele na calçada e não oferece alimentos e roupas, para que ele entenda que seu lugar não é ali.
Outra moradora da Rua Veiga Filho que resiste em acolher Pedro desta vez é a aposentada Dulce Santucci. Quando se abrigou sobre a árvore, o menino passarinho dizia que queria ser adotado pela senhora. “Não sei se ele ainda quer ser meu filho, não dei muita confiança desta vez. No fim da semana passada ele ficou aí, debaixo de muita chuva. Notei inclusive uns dois moços se aproximando dele, acho que querem que ele se drogue. Mas ele é muito limpinho, diz que odeia droga”, conta dona Dulce.
Abrigo
Na última sexta-feira, o Conselho Tutelar de São Paulo foi acionado. Pedro aceitou ser direcionado para um abrigo, porém fugiu no dia seguinte. “Vamos resgatá-lo quantas vezes for preciso, mas não podemos interferir nesta relação, o problema de Pedro é Nova Friburgo que deve resolver”, afirma um conselheiro do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) que não quis ter seu nome revelado.
“Era mais do que previsível que ele voltasse. Em São Paulo, ele recebeu roupas, dinheiro, carinho. E Nova Friburgo não fez nada para mantê-lo lá. Agora, o que podemos fazer é abrigá-lo enquanto não decidem o que fazer. Não há razões para tirar o garoto da família. E de forma alguma ele vai ficar em São Paulo só por que decidiu”, garante.
Em Nova Friburgo
Desde quinta-feira, Dulciléa Klein, a mãe de Pedro, tem feito visitas diárias ao Conselho Tutelar de Nova Friburgo. Sem recursos financeiros, a dona de casa espera que o órgão se prontifique a buscar o garoto em São Paulo, assim como aconteceu na primeira fuga. Porém, Dulciléa se deparou com a falta de verbas disponíveis no Conselho para fazer a viagem de 536 quilômetros.
Na tarde desta segunda-feira, 29, a dona de casa esteve no Ministério Público da cidade, orientada por um profissional do Conselho Tutelar, em busca de uma resolução para seu caso. “A mulher que me atendeu bateu na máquina tudo o que eu falei e disse que vai encaminhar o documento para o promotor, e ele decide se libera a verba. Pode ser hoje, pode ser amanhã. Enquanto isso, meu filho passa mais uma noite na rua”, inconforma-se Dulciléa.
Preocupada com o tempo chuvoso dos últimos dias em São Paulo, a mãe se aflige: “Pedro toma remédios controlados, ele tem uma dificuldade de aprendizagem. Por mim, eu tinha ido até a pé”.
Consultado, o Conselho Tutelar de Nova Friburgo afirma que aguarda o parecer do Ministério Público da cidade.