Uma semana após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizar a vacinação infantil contra covid-19 no País, o Ministério da Saúde inicia nesta quinta-feira, 23, uma consulta pública para colher opiniões sobre o assunto. Com isso, o governo só pretende decidir se vai ou não vacinar crianças de 5 a 11 anos na primeira semana de janeiro, quando se encerra o prazo para receber as contribuições. A imunização desta faixa etária enfrenta resistência de apoiadores do governo e do próprio presidente Jair Bolsonaro. Na visão de especialistas, a consulta serve apenas para atrasar a aplicação das doses, uma vez que não foi adotada em outros momentos da pandemia.
A vacinação de crianças de 5 a 11 anos com doses pediátricas da Pfizer foi aprovada pela Anvisa na quinta-feira passada, seguindo o que já havia sido feito por autoridades sanitárias dos Estados Unidos e da União Europeia há mais de um mês. Além da Anvisa, a Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI), órgão consultivo do próprio Ministério da Saúde, disse ser favorável à vacinação infantil. Estudos já mostraram que o uso do imunizante nesta faixa etária é seguro e eficaz.
Mesmo assim, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, argumentou ser preciso uma melhor avaliação. "A pressa é inimiga da perfeição", afirmou ele na segunda-feira, 20, avisando que a pasta só vai ter uma posição sobre a vacinação infantil em 5 de janeiro. Isso porque após o fim da consulta pública, que vai até o dia 2, o ministério pretende realizar uma audiência para analisar as contribuições apresentadas e, só no dia seguinte, anunciar a decisão.
Especialistas afirmam estranhar o procedimento, que não foi adotado quando a Anvisa autorizou a vacinação da população adulta, em janeiro deste ano, nem quando houve o aval para imunizar adolescentes, em junho. "Consulta pública deve ser utilizada para temas de interesse de médio e longo prazo. Não para situações emergenciais, como durante uma pandemia", disse Paulo Lotufo, professor titular de clínica médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Doutora em microbiologia pela USP e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), Natália Pasternak afirmou que a estratégia é comum nos movimentos "anticiência", buscando desculpas para não agir. "O debate científico já aconteceu e está consolidado, com os órgãos competentes. Não existe justificativa para consulta pública por algo que já foi debatido e é tão importante, que vai proteger as crianças."
Para a infectologista Raquel Stucchi, da Sociedade Brasileira de Infectologia, a única justificativa para abrir uma consulta pública a essa altura é "criar obstáculos para a vacinação de crianças do Brasil" e manter espaço para negacionistas da vacina. "Estão expondo as nossas crianças ao risco de morrerem de covid, ou de virem a ter síndrome pós-covid, além de manterem a transmissão do coronavírus", afirmou a médica.
Dados da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da covid-19 mostram que 2.978 diagnósticos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por covid ocorreram em crianças de 5 a 11 anos, com 156 mortes, no ano passado. Já ao longo de 2021, já foram registrados 3.185 casos nessa faixa etária, com 145 mortes, totalizando 6.163 casos e 301 mortes desde o início da pandemia.
<b>Parecer</b>
Nesta quarta, 22, após Queiroga ter afirmado que só tinha recebido "um documento de três páginas" da Anvisa, a agência divulgou o Parecer Público de Avaliação de Medicamentos (PPAM), que avalia os benefícios e os riscos para a aprovação da imunização infantil, a partir de informações técnicas colhidas pelos especialistas do órgão.
De acordo com o documento, de 57 páginas, a vacinação às crianças foi autorizada com base "em evidências científicas" que comprovam que a vacina da Pfizer, quando administrada em duas doses, é segura e eficaz na prevenção da covid-19, de doenças graves "potencialmente fatais ou condições que podem ser causadas pelo SARS-CoV-2".
<b>Notícia-crime</b>
Crítico da vacinação de crianças, o presidente Jair Bolsonaro defendeu na semana passada a divulgação dos nomes dos servidores da Anvisa que deram aval à imunização infantil, numa declaração que foi vista como intimidação.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) e o secretário de Educação do Rio, Renan Carneiro, protocolaram ontem no Supremo Tribunal Federal notícia-crime contra Bolsonaro e Queiroga por prevaricação na vacinação de crianças.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>