Após uma sequência de quatro quedas consecutivas – em que acumulou desvalorização de 3,148% e flertou com um fechamento abaixo de R$ 5,00 -, o dólar à vista subiu com força hoje no mercado doméstico e chegou a tocar os R$ 5,16 nos piores momentos de aversão ao risco no exterior, em dia marcado pelo ataque russo ao território da Ucrânia.
Com a recuperação das bolsas em Nova York e diminuição dos ganhos da moeda americana no exterior, após o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciar a imposição de novas sanções econômicas à Rússia e a liberação de estoques de petróleo, o dólar desacelerou o ritmo de alta por aqui. Depois de atingir máxima a R$ 5,1632 (+3,18%) no meio da tarde, a divisa fechou a R$ 5,10, avanço de 2,02%. Mesmo com arrancada desta quinta-feira, a moeda ainda acumula queda de 3,78% em fevereiro. O giro com o contrato futuro mais líquido de dólar, para março, foi expressivo, acima de US$ 21 bilhões, o que sugere mudanças relevantes de posicionamento.
A reação do mercado à eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia foi tradicional: liquidação de ativos de risco e busca de abrigo no dólar e nos títulos do Tesouro americano, cujas taxas recuaram. Nos momentos mais críticos, as bolsas em Nova York tombaram mais de 2% e a taxa da T-note de 10 anos caiu para a casa de 1,84%. O índice DXY – que mede a variação do dólar frente a seis divisas fortes – chegou a trabalhar no patamar dos 97,700 pontos, mas no fim da tarde já operava no limiar dos 97 mil pontos. A moeda americana também desacelerava a alta em relação a divisas emergentes, mantendo os maiores ganhos frente ao real, o peso colombiano e o florim húngaro. O rublo chegou a apresentar queda de mais de 6%, mas recuava cerca e 4% quando o dólar fechou por aqui.
Segundo o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, as sanções financeiras aplicadas à Rússia miram 80% dos US$ 46 bilhões em ativos bancários russos negociados diariamente. Os alvos são os dois maiores bancos Rússia, o Sberbank e o VTB, além de mais de 90 entidades financeiras subsidiárias ao redor do mundo. Também haverá medidas voltadas ao comércio exterior. Além de restringir exportações à Rússia, os EUA vão proibir importação de produtos de alta tecnologia.
Analistas dizem que as incertezas em torno da extensão do conflito na Ucrânia tendem a manter o apetite por dólares, com recomposição de posições defensivas. O fluxo de recursos ao redor do mundo e, sobretudo aos emergentes, tende a diminuir no curto prazo, o que tira fôlego do real. De outro lado, a alta das commodities, benéfica para os termos de troca brasileiros, e a perspectiva de alta da taxa Selic para a casa de 12% – aliada a possibilidade de um número menor de alta de juros nos Estados Unidos – podem reduzir o potencial de alta da moeda americana no mercado doméstico.
Para Álvaro Mollica, estrategista de mercados emergentes do Citi em Nova York, a magnitude do conflito pegou o mercado "um pouco de surpresa", o que explica os movimentos mais fortes de redução de exposição ao risco. "A reação do mercado é devolver um pouco da alta recente do real. As incertezas são grandes e esse tema da geopolítica tende a prevalecer no mercado nas próximas semanas", afirma Molica, acrescentando que, mesmo antes da piora do ambiente externo, havia um espaço técnico para uma recomposição de posições compradas em dólar no curto prazo. "Tivemos um rali de alta de 10% do real, com o dólar chegando ao nível psicológico de R$ 5. Agora surgiu um evento geopolítico de risco que traz muita incerteza", acrescenta o estrategista do Citi, ressaltando que não vê o real apresentando um desempenho pior que de outros emergentes.
Para o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, o conflito no leste europeu tende a provocar uma forte desaceleração de fluxo para emergentes, o que tira força do real. Em contrapartida, a despeito de eventual impacto inflacionário, com alta de preços de commodities como petróleo e gás, o Fed pode ser menos agressivo no processo de alta dos juros, uma vez que a guerra traz risco de diminuição da atividade econômica. "O dólar subiu bastante hoje, acompanhando lá fora. Com os efeitos da guerra na atividade, fica aquela sensação de que o Fed não vai aumentar tanto os juros, que talvez nem cheguem ao nível neutro", afirma Velho.
Em evento hoje à tarde, a presidente do Federal Reserve de Cleveland, Loretta Mester, afirmou que vê como apropriado elevar juros 0,25 ponto porcentual em março e promover novas altas nos meses seguintes, ponderando que os impactos do conflito na Ucrânia serão levados em conta no processo de redução da acomodação monetária.
Segundo Velho, da JF Trust, os desdobramentos em relação ao nível da taxa de câmbio e do ajuste da política monetária no Brasil vão depender da duração do conflito. Caso a guerra seja curta, o dólar pode se estabilizar, evitando pressões maiores sobe a inflação doméstica. Se o confronto for prolongado, haverá uma pressão maior sobre a taxa de câmbio e, talvez, o BC tenha que apertar ainda mais a política monetária para suavizar a alta do dólar e, assim, evitar que a inflação futura caminhe para um nível muito elevado.