Meu filho é especial

A missão de vida do apresentador Marcos Mion é ter construído uma trajetória de sucesso para tornar-se porta-voz do filho autista e, assim, ajudar a comunidade na luta por direitos. É assim que, hoje, ele enxerga o caminho que traçou. E o maior legado foi ver uma lei pró-autismo ser batizada com o nome do primogênito dele.

Entre os diversos trabalhos como artista e empresário, parte do tempo é dedicada a falar sobre autismo nas redes sociais e onde mais for preciso. O alcance da voz dele, que ecoa as reivindicações de anos dos ativistas, chegou a abrir as portas do Palácio do Planalto. Foi lá que ele viu o presidente Jair Bolsonaro aprovar a proposta que inclui informações sobre a condição no Censo 2020.

Quase seis meses depois, o chefe do Executivo sancionou a lei que cria a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, a Lei Romeo Mion. "Acho que a comunidade autista nunca tinha tido uma abertura como essa", disse ele.

Em fevereiro, Marcos Mion recebeu a reportagem do jornal <b>O Estado de S. Paulo</b> para uma conversa no escritório dele em São Paulo. O semblante cansado pelo dia cheio de compromissos logo se transformou quando começou a falar do filho, da família e do envolvimento com a causa autista. Embora tenha ficado em evidência nessas conquistas mais recentes, ele rejeita os títulos de porta-voz ou embaixador da comunidade. Até porque, diz, nunca teve esse objetivo.

"Se tenho alguma coisa para contribuir para a comunidade autista – e aí é um se mesmo – eu acredito que é colocar o autismo num primeiro plano, no sentido de ter um holofote em cima, de encará-lo como uma alegria", afirma. Mion divide, ou praticamente repassa, todos os créditos que recebe às pessoas que lutam por esses direitos há mais tempo do que ele.

Uma das pessoas que o apresentador considera uma mentora do autismo é Berenice Piana, mãe de um jovem autista de 25 anos e coautora da primeira lei federal que garante os direitos dos autistas (Lei 12.764/2012), batizada com o nome dela. Para ela, a legislação tirou os autistas do limbo.

"A lei reconhece a pessoa com autismo como pessoa com deficiência para efeitos legais tinha todas as obrigações e nenhum direito", recorda. Foram dois anos e meio, entre audiências públicas e debates em Brasília, até ver a proposta sancionada. A conquista só foi possível também porque houve a união de outras famílias.

Um ano antes, a vitória tinha sido no âmbito do Distrito Federal com a Lei 4.568, que obriga o Poder Executivo a proporcionar tratamento especializado, educação e assistência específicas aos autistas, independentemente de idade. Essa legislação levou o nome de Fernando Cotta, presidente do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab) e pai de um jovem autista de 22 anos.

Embora tenha sido mais rápido aprová-la, uma vez que o DF tem apenas uma câmara legislativa, a luta não foi menos árdua. "Quando começamos, tinha gente que dizia que pessoa com autismo não era pessoa com deficiência. Tivemos de inserir de forma muito clara para sacramentar os direitos", disse Cotta.

Outra mentora do autismo para Mion é a escritora Fátima de Kwant, que, pela experiência com o filho autista de 23 anos, começou a informar as pessoas sobre a condição e se especializou no tema. O trabalho dela, que começou na Holanda, onde mora desde 1985, atravessou fronteiras e chegou ao Brasil para somar forças.

"A cada 20 minutos, uma criança no mundo nasce com autismo. Esses pais jovens iam chegando, era muita tristeza e pouca informação. Ninguém falava que com tratamento e acolhimento da sociedade eles iam melhorar. Alguém precisava falar isso e comecei a ir a escolas, hospitais", conta. Ela também precisava explicar por que o filho agia de determinado modo e transformou os ensinamentos no projeto Autimates, que fala sobre autismo para quem não conhece.

Embora as histórias sejam diferentes, todas essas pessoas contam que, décadas atrás, o autismo não era uma pauta a ser discutida, justamente pela falta de conhecimento sobre a condição, até mesmo entre médicos. Elas também são unânimes em apontar a importância de Marcos Mion nessa desmistificação e na história de luta pelos direitos dos autistas.

"O artista nos ajuda a ter voz, representar as expectativas de uma comunidade", diz Fátima. O presidente do Moab também elogia o envolvimento do apresentador nas reivindicações. "Foi muito positiva a entrada dele", afirma Cotta.

A visão de Berenice Piana é a mesma. "Por ter esse poder da TV e internet, ele abriu caminhos rapidamente", comenta a ativista.

Além de ajudar nas conquistas políticas, Mion deixa sua marca pela visão peculiar que tem do autismo, sem pesar nem sofrimento. O que ele transmite, desde quando tornou público, em janeiro de 2014, que tem uma "criança especial", pode destoar da maioria dos relatos, mas o apresentador é categórico: a culpa é do amor e da vontade que sempre teve de ser pai.

Por ter uma carreira sólida e boas condições financeiras, Mion reconhece seus privilégios, mas afirma que não vive uma realidade paralela. "Muita gente fica com a impressão de que o Romeo quase não é autista. Eu passei por todas as fases e continuo passando e faço questão de falar: é difícil e é difícil todo dia."

Ao mesmo tempo, esse olhar afetuoso gera identificação entre aqueles que têm filhos ou parentes autistas. O ator, ex-VJ da MTV, que apresentou o programa Legendários e está à frente do reality A Fazenda deixou de ser o artista que é parado nas ruas para ser elogiado pelo trabalho e receber pessoas que mandam beijo para o Romeo.

Foi de forma lúdica que Mion falou sobre a condição de Romeu aos filhos mais novos, Donatella e Stefano. Ele disse que o irmão mais velho tinha superpoderes, mas precisava de ajuda em algumas situações. Com o mesmo propósito, e de forma instintiva, quebrou algumas barreiras que o autismo muitas vezes impõe. "O segredo do autismo para você conquistar qualquer coisa são dois fatores: o primeiro é paciência, o segundo é amor", diz o apresentador.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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