No México, 293 pessoas morreram, centenas estão desaparecidas e há milhares de feridos em razão do terremoto de terça-feira. Esses números foram deixados de lado na noite de quarta-feira, quando o país voltou suas atenções para um único caso. Uma menina de 12 anos esperava, sob os escombros de uma escola, para ser resgatada.
Desde cedo, foi informado um nome: Frida Sofía. A transmissão virou a madrugada. Entre as emissoras, uma se destacava pelos detalhes exclusivos, a Televisa, maior canal de TV em língua espanhola. Uma repórter da emissora, Danielle Dithurbide, garantiu ter conversado com os parentes de Frida Sofía, mas eles não queriam ter seus nomes divulgados. Afirmou que levavam água para a menina. Que havia macas no local.
Em determinado momento, foi informado que não se tratava de uma menina, mas de três. Depois, cinco. Se disse que Frida Sofía tinha escapado por ter se refugiado sob um mesa de concreto na cozinha. Que apenas 10 centímetros a separavam de um socorrista. Que a menina havia mexido a mão.
A repórter da Televisa, que chefia o setor de informações internacionais, afirmou que a própria menina dissera chamar-se Frida Sofía, segundo um socorrista. Os detalhes mobilizaram o país. “Não pensei em dormir até que ela fosse resgatada”, disse Mayra Terreros, empresária. “Acompanhei a hashtag (#fridasofia) a noite inteira”, afirmou Ernesto Filardi, escritor espanhol que reside no Canadá.
Com a terrível coincidência de que o terremoto de 2017 tenha ocorrido na mesma data que o de 1985, o resgate de uma menina nos escombros fez os mexicanos lembrarem do “milagre” dos bebês do Hospital Juárez, alguns deles resgatados seis ou sete dias depois do tremor. Dithurbide, que passou várias horas no local, como repetiam sem cessar os apresentadores, narrava os esforços de salvamento a partir do pátio e de alguns balcões da escola, lugares em que a maioria dos jornalistas não chegou.
Entretanto, não se via a imagem de parentes. A escola tinha entre seus alunos Fridas e Sofías, mas não uma Frida Sofía – um nome composto que pode soar estranho no exterior, mas é relativamente comum no México por ter sido dado por uma cantora famosa, Alejandra Guzmán, a sua filha.
Ao amanhecer de quinta-feira, ainda não havia novidades. Ao meio-dia, o almirante Ángel Enrique Sarmiento disse que todas as crianças, vivas e mortas, foram tiradas dos escombros. Que Frida Sofía nunca existiu.
Dois dos principais âncoras da Televisa, Carlos Loret de Mola e Denise Maerker, sustentaram então que todas as informações haviam sido fornecidas pela Marinha, que coordena os trabalhos de resgate em zonas atingidas pelo terremoto.
Multiplicaram-se críticas à emissora, muitas em razão de sua história política. A Televisa por décadas se atribuiu o papel de órgão de comunicação do governista Partido Revolucionário Institucional (PRI) – Emilio Azcárraga Milmo, pai do atual CEO da rede, se qualificava publicamente como “soldado do PRI” e dizia que fazia “televisão para os miseráveis”.
Com o “sepultamento” de Frida Sofía, a busca por seu inventor tornou-se foco do noticiário. Os apresentadores da Televisa exigiram “explicações” da Marinha. A Televisa culpou a instituição mais respeitada do país, com 48% de respaldo da população.
Em meio à pressão do canal, a Marinha assumiu toda a culpa pelo episódio – alguns interpretaram o gesto como uma mostra da proximidade da Televisa com o PRI e, portanto, com o presidente Enrique Peña Nieto, chefe das Forças Armadas. Mas há sinais de que Frida Sofía teve concepção coletiva. Socorristas falaram nas primeiras horas de uma menina presa nas ruínas da escola. A emissora encarregou de dar uma família à resgatada que não exista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.