As prateleiras exclusivas para vender os livros de Paulo Coelho não foram suficientes para catapultar as vendas do mago no Salão do Livro de Paris, encerrado nessa segunda-feira, 23. Coube a Milton Hatoum, colunista do jornal O Estado de S.Paulo, o posto de escritor brasileiro contemporâneo mais vendido da 35.ª edição do evento, no qual o Brasil era o país homenageado. Lisonjeado com a escolha de um “público qualificado”, o autor de Dois Irmãos anunciou a disposição de parar de viajar ao exterior para divulgar seu trabalho e representar a literatura brasileira.
O salão que teve o Brasil como país convidado pela segunda vez – a primeira foi em 1998 – chegou ao final na noite de ontem, 23, com todos os objetivos traçados pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) alcançados. Um total de 1,2 mil títulos foram oferecidos ao público francês, e mais de 14 mil volumes postos à venda nos 500 metros quadrados do pavilhão do Brasil, operado pela Fnac.
A meta de vendas de 8 mil exemplares foi batida, e dentre eles dois autores contemporâneos se destacaram. Além de Machado de Assis, que se mantém como referência em literatura brasileira, Milton Hatoum e Paulo Lins, autor de Cidade de Deus, foram os mais vendidos.
Ambos superaram o best-seller brasileiro usual, Paulo Coelho, que, depois de ter reclamado da falta de convite à Feira do Livro de Frankfurt, em 2013, e de fazer mistério sobre sua participação em Paris, acabou não aparecendo no Parque de Exposições de Porte de Versailles e frustrando seus fãs.
Mas nem por isso o Brasil ficou sem um carro-chefe nas vendas e na atração ao público. Esse papel foi exercido por Hatoum, onipresente no salão do livro, em debates, sessões de autógrafos e eventos paralelos. Ontem, 23, falando ao Estado, o autor de Cinzas do Norte disse ter ficado muito satisfeito com a participação do público no estande brasileiro, em especial na comparação com o evento de 1998, do qual também havia participado. “O Brasil mudou muito nesses anos e o interesse é hoje maior pela literatura brasileira”, entende. “Nos debates, senti que havia um público francês, e não só brasileiro. A presença dos leitores franceses muda tudo, porque vir para cá para falar só para brasileiros não faria sentido”, explica ainda.
Dois Irmãos, sua obra mais conhecida e já publicada na França em edição de bolso, foi o seu trabalho mais procurado pelo público. “Ser campeão de vendas? Eu fico um pouco deprimido. Na França não é ruim, é chique. No Brasil ser campeão de vendas é temeroso. A maioria dos best-sellers são muito ruins”, disparou, misturando bom humor e crítica. “Eu fico contente de saber que o livro está indo bem, está sendo lido. Isso é o mais importante. Mas não é uma corrida com o Paulo Coelho. O importante é a leitura”, declara ele.
Apesar do sucesso de acolhida em Paris, que só confirma sua posição como autor brasileiro de renome internacional, Hatoum revelou a intenção de viajar menos e focar sua atenção no Brasil, onde sua obra ganhará versões para o cinema, a TV, além da versão em quadrinhos de Dois Irmãos desenhada por Fabio Moon e Gabriel Bá – que, aliás, foi um enorme sucesso de crítica na imprensa da França. “Eu não sei escrever em qualquer lugar, não ando para lá e para cá com laptop. No Brasil, eu estou em casa, mesmo no hotel mais modesto do interior”, contou.
Hatoum também sugeriu que os organizadores de salões abram mais espaço para os jovens autores, que buscam reconhecimento. “Os jovens não entendem que eu estou há 25 anos nisso. Me cansa muito viajar. E hoje eu acho que não tenho muita coisa a dizer. Não quero ser modesto. Eu acho mesmo”, acrescenta o escritor.
Guimarães Rosa
Um dos autores brasileiros mais célebres no exterior, Guimarães Rosa precisa de novas traduções que deem às versões estrangeiras a magnitude da obra original e impulsionem o reconhecimento do autor no exterior. A bandeira foi levantada por autores, tradutores e acadêmicos no debate O Que a Literatura Brasileira Deve a Grande Sertão: Veredas – Homenagem a Guimarães Rosa.
Com a participação de Milton Hatoum e Luiz Ruffato e mediado por Leonardo Tonus, professor de Literatura Brasileira da Universidade de Paris-Sorbonne, o debate não se limitou a enaltecer a obra de Rosa, e se transformou em uma espécie de manifesto por novas traduções e pela republicação no exterior. “A pobreza das traduções de Guimarães Rosa para o sueco, por exemplo, pode ter feito com que o autor não ganhasse o Prêmio Nobel de Literatura”, lembrou o tradutor francês Jean-Paul Rebaud. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.