O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (Progressistas), destinou R$ 240 mil para a compra de um caminhão de lixo fornecido pela empresa de uma amiga que frequenta o seu gabinete. Da liberação dos recursos até a aquisição do veículo, todas as etapas passaram pelas mãos de aliados do ministro. A estatal que fez o pregão é comandada por um apadrinhado dele, a prefeitura que efetuou a compra é de uma correligionária e a empresa que vendeu é de uma amiga que frequenta seu gabinete.
Pertencente à empresária Carla Morgana Denardin, o Grupo Mônaco Diesel Caminhões, Ônibus e Tratores Ltda ampliou a venda de veículos compactadores de lixo para o governo justamente depois que Ciro Nogueira se aproximou de Jair Bolsonaro. Desde então, conseguiu um contrato no valor de R$ 11,9 milhões com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) do Piauí, reduto eleitoral do ministro.
O <b>Estadão</b> revelou neste domingo, 22, um esquema de compra de caminhões de lixo disparou no atual governo, um aumento de 500%. Ao analisar 1,2 mil documentos referentes à aquisição desses veículos, o jornal encontrou suspeitas de sobrepreço de R$ 109,3 milhões. O dinheiro sai de emendas parlamentares de deputados e senadores, e a compra é feita por estatais que Bolsonaro deu para controle do Centrão.
A articulação ganhou nas redes o nome de "Bolsolão do Lixo", numa referência ao mensalão – esquema de pagamento de mesada a políticos no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) -, e foi um dos assuntos mais comentados do Brasil no Twitter neste domingo, 22.
A emenda de Nogueira, senador licenciado, garantiu a compra de um caminhão compactador de lixo para atender a cidade de Brasileira (PI), que tem 8.364 habitantes. O equipamento é desaconselhado para municípios com menos de 17 mil habitantes por causa do alto custo, segundo especialistas. O ideal, nesses casos, seria caminhão basculante.
Do jeito que está montada, a compra dos caminhões pelo governo para atender a sua base no Congresso não segue nenhuma política pública de saneamento básico e não garante todas as fases da coleta de lixo. No Piauí, por exemplo, 89% das cidades ainda recorriam a lixões a céu aberto.
Há ainda, no Piauí, um problema anterior. Um terço dos 224 municípios nem sequer elaborou um plano para dar fim aos lixões. Segundo a coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do Ministério Público do Piauí, Áurea Madruga, o cenário de dois anos atrás é igual ou pior, hoje. "Nos 10% que diziam não ter lixões não encontrei municípios que pudessem atender às normas ambientais", frisou.
<b>Superlote</b>
O certame vencido pelo Grupo Mônaco, da amiga de Nogueira, permite a compra de até 40 caminhões de lixo, ao custo total de R$ 11,9 milhões. A superintendência da Codevasf no Piauí, que fez o pregão, é comandada desde abril de 2019 por Inaldo Guerra, apadrinhado do ministro da Casa Civil. Guerra foi o responsável por ratificar o resultado da licitação.
O pregão ocorreu em dezembro de 2020, quando Nogueira era senador. Os contatos com a empresária Carla Denardin, que já frequentava o seu gabinete, continuaram quando ele assumiu a chefia da Casa Civil, no ano passado. Na ponta final da história está a prefeitura de Brasileira, a 183 quilômetros de Teresina, administrada por outra aliada de Nogueira, a prefeita Carmen Gean (Progressistas). Foi ela quem recorreu à ata da Codevasf-PI para comprar o caminhão. Entregue em abril deste ano, o mesmo veículo foi a estrela de dois eventos de inauguração, em menos de 15 dias.
<b>Laços de Brasília</b>
Carla Denardin foi uma das convidadas para a posse de Nogueira na Casa Civil, em 4 de agosto. Naquele dia, em seu perfil no Instagram, ela postou uma foto ao lado do ministro, no Palácio do Planalto. "Sobre acreditar que o BRASIL vai longe, que dias melhores estão por vir e que estamos no caminho certo #miglesdamorgs (…) #palaciodoplanalto #pp #cironogueira", escreveu.
Na véspera, em 3 de agosto, o governo federal havia emitido ordem bancária pagando R$ 1.332.431,98 à empresa de Carla. O pagamento era referente à compra de nove caminhões de lixo "para os municípios do Piauí". Os valores já tinham sido empenhados (reservados) antes, mas caído nos chamados "restos a pagar", situação em que poderiam permanecer durante anos, caso não existisse boa vontade em relação à empresa.
No mesmo dia 4 de agosto em que esteve com Ciro Nogueira, Carla Morgana postou uma foto ao lado da senadora Eliane Nogueira (Progressistas-PI), mãe do ministro, que assumiu a cadeira do filho no Senado. Em fevereiro de 2019, a coluna da jornalista Elizabeth Zanovello, no site Clube Notícias, de Teresina, registrou outra visita de Carla a Brasília. Segundo o texto, a empresária esteve na capital federal "exclusivamente para abraçar e celebrar a posse dos amigos parlamentares Ciro Nogueira (senador) e Iracema Portella (deputada federal)".
O Grupo Mônaco, empresa familiar, foi fundada há mais de 40 anos por Armindo Denardin, um paranaense que se fixou no Pará e chegou a ser prefeito de Altamira (PA) pelo MDB, no começo da década de 1990. Hoje, o grupo tem atuação nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
A licitação vencida pela Mônaco Diesel foi realizada em 18 de dezembro de 2020, na modalidade pregão eletrônico (uma espécie de leilão invertido, no qual os lances vão se sucedendo e vence o fornecedor que oferecer o menor valor). Cada um dos nove caminhões comprados pela Codevasf saiu por R$ 297,8 mil, conforme o valor licitado. Mas a máquina adquirida pela prefeitura de Brasileira, com a emenda de Nogueira, saiu mais cara: R$ 318.044,23. No começo das negociações, em março de 2020, o valor da contrapartida que deveria ser dado pela prefeitura de Brasileira era de R$ 16.250,00, de acordo com os documentos públicos do convênio. Quando a compra foi concluída, no início deste ano, o total desembolsado pela prefeitura tinha subido para R$ 79,2 mil.
Em 7 de janeiro de 2021, a prefeita de Brasileira enviou ofício a Inaldo Guerra dizendo que estava pronta para aumentar a contrapartida e adquirir o caminhão por um preço maior do que o definido na ata.
Procurados, Ciro Nogueira e Carla Morgana Denardin não responderam aos questionamentos da reportagem. A prefeita Carmen Gean disse que o pedido de reajuste no valor do caminhão foi feito pela empresa e teve a concordância da Codevasf. "Não houve qualquer irregularidade por parte da prefeitura", afirmou Carmen. Ela observou, ainda, que os técnicos da Codevasf são "rigorosos". As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>