O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou há pouco que o Brasil não sofreu um golpe, mas amplo esvaziamento democrático que culminou nas ameaças às eleições sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em discurso no <i>Brazil Conference at Harvard & MIT</i>, evento organizado hoje por pesquisadores brasileiros em Boston, nos Estados Unidos, Barroso fez uma longa lista de ataques às instituições brasileiras protagonizadas pelos apoiadores de Bolsonaro e seu grupo político enquanto o ex-presidente ocupou a presidência.
Segundo Barroso, as pospostas de voto impresso, encampada por Bolsonaro e os questionamentos à urna eletrônica, que envolveu setores das forças armadas, eram o "germe" do movimento golpista.
"Sempre tive o pressentimento que ali estava o germe do golpe. Imaginem o que essas pessoas, que tiveram a capacidade de invadir o Supremo, o Planalto e o Congresso, fariam nas seções eleitorais se tivessem contagem pública manual e imaginassem que perderiam", disse.
Em citação ao comportamento das Forças Armadas nos últimos quatro anos, Barroso afirmou que "o Brasil é um país que as pessoas se ofendem com o que fazem", o que seria traço psicanalítico da sociedade brasileira.
"Hoje em dia no Brasil as pessoas têm vergonha do que são. Fazem as coisas e depois dizem que não fizeram. Isso aconteceu no TSE Tribunal Superior Eleitoral, quando eu disse que, infelizmente as Forças Armadas usariam a representação com suspeitas à urna eletrônica para tentar desacreditar o sistema. Então veio nota das Forças Armadas dizendo que nunca haviam sido tão ofendidas. Quarenta e oito horas depois, fizeram isso levantar suspeitas", disse.
<b>Início</b>
O ministro sugeriu que o processo de esvaziamento democrático teve início nos primeiros dias de governo.
"Isso começou com o esvaziamento da participação da sociedade civil em órgãos de formulação de políticas públicas, ligadas ao meio ambiente e crianças. Houve desmonte dos órgãos de proteção ambiental e de proteção de comunidades indígenas. Não houve demarcação de um milímetro sequer de terras indígenas como determina a Constituição", disse Barroso no discurso que durou cerca de 40 minutos.
O ministro fazia referência à extinção de conselhos com assentos para representantes da sociedade civil e à designação de negacionistas para a direção ou cúpula de autarquias federais
Em seguida, ele descreveu o que definiu como "negacionismo pleno à ciência" durante a pandemia de Covid-19 e chamou atenção para o fato de que o Brasil possui apenas 2,7% da população mundial, mas colecionou 10,2% das mortes causadas pelos vírus.
"Esse foi o tamanho da má gestão da pandemia no Brasil", disse, antes de seguir nas críticas ao governo Bolsonaro, que culminam na preparação de um golpe de Estado.
<b>Processo social</b>
Nas palavras do ministro, o Brasil assistiu a uma captura do pensamento conservador pela extrema direita, processo comum a vários países do mundo, entre os quais citou os Estados Unidos, Rússia, Hungria e Turquia.
"O populismo autoritário pode ser de direita ou de esquerda, temos experiência nos dois sentidos, embora nos últimos tempos o de direita tenha se revelado mais perigoso, racista, xenofóbico, misantrópico e anti ambientalista", afirmou.