Moyseis Marques é um nome que já transbordou às rodas de samba de Lapa carioca. Mineiro de Juiz de Fora, radicado no Rio, ele já lançou quatro álbuns (o último é de 2012, Pra Desengomar) e tem uma interpretação magistral de Nomes de Favela, de Paulo Cesar Pinheiro. Algo sem muita explicação, no entanto, impede seu reconhecimento em São Paulo.
O samba carioca defendido por Moyseis Marques e suas particularidades serão tema da terceira edição do projeto Zuzando nas Notas, que o pesquisador Zuza Homem de Mello apresenta neste sábado, 11, na casa de shows Tupi or not Tupi.
A série, que teve casa lotada nas primeiras noites, já discutiu as origens e particularidades do jazz manouche e a ausência de cantores do sexo masculino na música brasileira. Zuza abre a noite contextualizando historicamente os temas e abordando alguns aspectos técnicos para, logo em seguida, chamar as atrações.
O jazz manouche, pouco mencionado por aqui, é a única expressão jazzística a nascer fora dos Estados Unidos, como diz o pesquisador. Também lembrado como jazz cigano ou gypsy swing, tem como mentor o violinista e guitarrista belga de origem cigana, Django Reinhardt. O grupo da edição foi o Seo Manouche. Na noite dos cantores, Zuza recebeu Zé Renato e Renato Braz para comentar sobre os mistérios que podem haver por trás da ausência de intérpretes homens na música brasileira. “Isso vem do Festival da Canção de 1967, quando os compositores resolveram cantar suas canções. Como efeito disso, os cantores (que não compunham) foram destronados.”
O samba de Moyseis chegou ao conhecimento de Zuza por meio de uma concorrência de um edital da Natura, que acabou não contemplando o sambista apesar da defesa insistente do pesquisador, que era jurado à época. “Minha percepção é de que ele é quase um ilustre desconhecido por aqui. Decidi trazê-lo para expô-lo”, diz Zuza.
O samba que floresce no Rio, segundo o pesquisador, guarda diferenças nem sempre tão nítidas entre seus primos de São Paulo e da Bahia. “O de São Paulo é mais duro, mais marchado, mais seco. O da Bahia, basta ouvir Batatinha, é mais dengoso.” Zuza interpreta que o samba baiano consegue ser mais envolvente do que o carioca. “Isso por um detalhe quase imperceptível. As frases musicais são emendadas, não tem pausa.”
Há uma explicação do pesquisador também para um dos maiores mistérios do samba. Afinal, o que o faz ser, há cem anos, a música nacional em um território tão extenso e de culturas tão variadas. O que faz com que, neste momento, pelo menos alguma roda aconteça em qualquer cidade do País?
Se as origens forem comparadas, o samba teria tudo para ter ao menos dois sérios concorrentes. O frevo tem a mesma idade, 100 anos, e nasceu no mesmo cenário urbano, na capital pernambucana, Recife. O baião de Luiz Gonzaga, um pouco mais novo, popularizado em meados dos anos 40, segue história parecida, se estabelecendo a partir das emissoras de rádio do Nordeste. Ao final, suas relevâncias não foram páreo para a supremacia do samba, que transborda aos limites territoriais de suas três principais nascentes e invade uma nação inteira. “O elemento do negro é a explicação”, diz Zuza. O frevo é mais branco, há pouca influência negra na região, e ele vai se tratar de uma música com espaço e época. Vai pertencer ao Carnaval.” O sentimento de irmandade, de família, é outra particularidade que se mantêm nas rodas de samba, algo nem sempre visto em outros gêneros. E a complexidade rítmica que só brasileiros conseguem reproduzir intuitivamente permanece outro mistério. Mesmo sendo de matriz africana, nem africanos conseguem tocar samba com a mesma divisão.
Zuza Homem de Mello está pronto para relevar histórias e bastidores de um outro samba, o samba-canção. Seu livro, Copacabana, será lançado no dia 6 de dezembro.
ZUZANDO NAS NOTAS
Tupi or not Tupi.
Rua Fidalga, 360, Vila Madalena,
tel. 3813-7404. Sábado (11),
às 21h30. R$ 55
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.