Um ataque a tiros à 1h da madrugada em uma festa no centro de St. Louis mata uma pessoa e fere outras dez. Homens armados abrem fogo durante uma briga perto de Hollywood Beach, no Estado da Flórida, ferindo nove pessoas, inclusive um bebê de 1 ano. Rajadas de tiros em uma festa de 16 anos em Dadeville, no Alabama, matam quatro pessoas e ferem mais de 30.
O que esses e outros recentes atentados a tiros nos EUA têm em comum é que todos envolvem suspeitos adolescentes, chamando a atenção para o que pode ser uma mistura letal de bravata adolescente e impulsividade com o acesso a armas de fogo.
A época em que muitos adolescentes resolviam suas desavenças com os punhos fica parecendo antiquada.
"Lembro de quando eu era criança e nós brigávamos – alguém ficava com um olho roxo ou um nariz quebrado, e sobrevivia para contar", disse aos jornalistas a prefeita de St. Louis, Tishaura Jones, depois do atentado de 18 de junho.
Sacar uma arma é o padrão atualmente para alguns adolescentes, que são tão rápidos em se ofender quanto em puxar um gatilho, concorda Rodney Phillips, de 50 anos, ex-líder da gangue Chicago Black Disciples, que trabalha com integrantes de gangues de todo o país para impedir que disputas se agravem.
"Agora, a primeira coisa que sai da boca deles é: Vou te matar. É o atrevimento (dos ataques), a despreocupação, fazer isso em lugares públicos", diz Phillips. "Não era assim quando eu cheguei."
A tia de Makao Moore, de 17 anos, que morreu no ataque de St. Louis, disse que os adolescentes frequentemente expressam sua raiva com uma arma.
"Se não resolvermos, vai continuar acontecendo", disse Sharonda Moore ao jornal St. Louis Post-Dispatch.
Dentre as soluções para reduzir a violência entre adolescentes, segundo Jones, estaria a expansão dos programas que oferecem aos jovens atividades em locais seguros, inclusive noites de cinema e música.
Mais armas de fogo, e armas de fogo ainda mais poderosas, permitiram que os adolescentes, ou qualquer pessoa empunhando uma delas, possa ferir e matar mais pessoas em incidentes isolados.
Uma arma disparada na festa de 16 anos em abril, em um estúdio de dança lotado com cerca de 60 pessoas, havia sido alterada para disparar mais rapidamente, declarou em uma audiência judicial Jess Thornton, agente especial do Alabama.
"As testemunhas disseram que o barulho parecia uma metralhadora", diz a investigadora. Depois disso, 89 cartuchos de balas se espalharam pelo local e havia "sangue por toda a parte".
Balas perfuraram as paredes e estilhaçaram vidros no ataque em um escritório de quinto andar em St. Louis. A polícia divulgou fotos de dois jovens segurando fuzis aparentes de estilo AK. Um dos suspeitos detidos tinha 17 anos.
Em muitas cidades, armas ilegais nunca estão fora de alcance.
Em áreas com grande atividade de gangues, algumas armas são roubadas de casas, lojas de armas ou trens. Para reduzir o risco de serem parados pela polícia portando armas, integrantes de gangues normalmente as escondem por perto, enfiadas em muros e dentro de aros de pneus, contou ele.
Armas de fogo poderosas se tornaram mais facilmente disponíveis na década de 1980, e antes disso eram facas e pistolas de baixo calibre as armas mais frequentes entre os adolescentes que matavam, explicou James Alan Fox, professor de criminologia, direito e políticas públicas na Universidade Northeastern, em Boston.
"Com armas, os adolescentes tendem a apertar rápido o gatilho", diz. "Eles puxam o gatilho sem pensar totalmente nas consequências."
Segundo dados do FBI, cerca de 90% dos homicídios praticados por adolescentes de 15 a 17 anos em 2019 envolviam armas de fogo, em comparação com 60% em 1980. Fox, no entanto, diz que o aumento nos homicídios praticados por adolescentes não está diretamente correlacionado com o aumento do número de armas.
É impossível saber exatamente quantas armas existentes estão disponíveis para adolescentes. O projeto suíço Small Arms Survey estimou em 2018 que havia cerca de 390 milhões de armas em posse de civis nos EUA, mais do que a soma das armas em posse de civis nos outros 25 países seguintes da lista.
A prefeita Jones diz que as causas do tipo de violência que aconteceu em junho são complexas. Entre os problemas que destacou estava uma onda de adolescentes indo para festas noturnas no centro de St. Louis, algumas vezes levados pelos pais.
"O centro não é um lugar para seu filho de 15 anos ir à 1h da madrugada", disse. "Não é um lugar para deixar crianças sem supervisão."
Os investigadores em St. Louis, Alabama e Flórida não sugeriram imediatamente motivos para os respectivos ataques. Mas os indícios sugerem que as tensões tenham se acirrado rapidamente em cada um.
Donna Rhone, cujo filho foi atingido de raspão no rosto por uma bala no tiroteio de St. Louis, disse à emissora KTVI-TV que os participantes da festa estavam bem comportados antes do ataque.
"Então, imediatamente, foi quando tudo mudou", disse Rhone, mencionando seu filho. "Vai de uma coisa muito alegre ao mais puro terror."
Quando uma caixa de som caiu com um estrondo na festa no Alabama, uma pessoa levantou a camisa para mostrar uma arma, conta Thornton. O tiroteio começou depois de um alerta para as pessoas com armas irem embora. Pelo menos três suspeitos eram adolescentes.
Desavenças entre dois grupos precederam o tiroteio do feriado de Memorial Day na Flórida, quando membros de um grupo sacaram armas e atiraram nos outros e em transeuntes, segundo um depoimento. Entre os acusados: um adolescente de 15 anos, um de 16 anos, e outro de 18 anos.
Em 2020, o primeiro ano da pandemia, o número de homicídios praticados por adolescentes entre 12 e 17 anos aumentou cerca de 40% em comparação com o ano anterior, de 974 para 1.336, segundo dados do FBI. Houve um total de 18.000 homicídios nos EUA em 2020.
Os homicídios praticados por adolescentes entre 12 e 17 anos dispararam entre 1984 e 1994, de 958 a um recorde histórico de 2.800, de acordo com o FBI. Depois de cair para 700 em 2013, os números começaram a subir, embora se mantenham abaixo dos níveis de meados dos anos 1990.
Quando os adolescentes matam, suas vítimas geralmente são jovens.
As vítimas em St. Louis tinham entre 15 e 19 anos. No tiroteio do Alabama, os mortos tinham 17, 18, 19 e 23 anos, e a maioria dos mais de vinte feridos tinham idades entre 14 e 19 anos.
Em 2019, homicídio era a terceira principal causa de morte para pessoas entre 12 e 17 anos de idade. depois de acidentes e suicídio, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. Atualmente, os homicídios são a principal causa de morte entre jovens afro-americanos.
Phillips diz que as redes sociais são um outro fator que impulsiona a violência entre os adolescentes. Desentendimentos alimentados no ciberespaço com trocas de insultos podem extravasar para o mundo real com trocas de tiros.
No calor do momento, a pressão do grupo pode contribuir para que uma pequena disputa saia do controle. Fox diz que cerca de um terço dos homicídios praticados por adolescentes envolve duas ou mais pessoas.
?Às vezes, ninguém quer cometer o crime individualmente, mas todos acham que os outros querem", explica. "Ninguém quer ser excluído pelo grupo."