Faz um mês que a pedagoga Marcia Rodrigues, de 43 anos, moradora do Conjunto Palmeiras, em Fortaleza, paga as compras de mercado pelo celular mesmo, sem ter conta corrente ou cartão de crédito. Ela faz parte do grupo de 220 pessoas que já usa o e-dinheiro Palmas, a versão eletrônica da moeda social de mesmo nome que circula há 14 anos na região. “Facilitou muito a minha vida não ter mais de andar com dinheiro de um lado para o outro. Além disso, consigo controlar melhor as contas por causa dos registros no aplicativo”, diz Marcia.
A plataforma, desenvolvida pelo banco comunitário Palmas em parceria com a empresa de tecnologia MadeApp, começou a operar como um projeto-piloto em março no Ceará e deve chegar a outras regiões do Brasil nas próximas semanas. Até o fim de junho, estão previstos lançamentos de moedas sociais eletrônicas em comunidades de São Paulo, Espírito Santo e Pará.
“Acreditamos que já no primeiro ano haverá 1 milhão de usuários em todo o País e uma circulação de R$ 25 milhões (em moedas sociais)”, estima o diretor da Rede Brasileira de Bancos Comunitários e coordenador do Banco Palmas, Joaquim Melo.
Hoje, existem no Brasil 107 moedas sociais. Elas foram criadas por bancos comunitários com o objetivo de que o dinheiro dos moradores circulasse dentro das próprias comunidades, ou seja, que o consumo local fosse estimulado e, assim, gerasse emprego e renda nessas regiões. O lastro delas é em real: uma Palma, por exemplo, tem de equivaler a um real. Além disso, a circulação é restrita a uma região e, diferente da moeda oficial, só aceita quem quiser.
Segundo a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), órgão ligado ao Ministério do Trabalho que acompanha o funcionamento dos bancos comunitários, uma das exigências para a implementação das moedas sociais é a de que o volume em circulação tenha o mesmo quantitativo em real depositado no banco comunitário. Não há um marco legal desse tipo de iniciativa, mas o funcionamento é monitorado pelo Banco Central.
Para o pesquisador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV-SP Eduardo Diniz, a principal vantagem da migração dessas moedas para a versão eletrônica tem a ver com o custo. “Para os bancos comunitários, o custo de impressão é muito alto. Essa é uma das principais reclamações. Além disso, a versão eletrônica acaba trazendo mais credibilidade para a moeda e, consequentemente, mais circulação”, observa.
O ex-diretor do banco central da Bélgica e professor de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Sorbonne, Bernard Lietaer, explica que as moedas complementares são parte da era da informação e, portanto, que a digitalização delas é uma importante parte desse movimento. “No começo da era industrial, as pessoas diziam que tudo iria mudar, menos os cavalos. Porque foram eles que puxaram as primeiras máquinas e os primeiros trens. Agora, na era da informação, as pessoas afirmam que tudo vai mudar, menos o dinheiro. Mas dinheiro é informação. É espantoso que as pessoas acreditem que o sistema financeiro não vai mudar”, explica o especialista que acompanha o caso do Banco Palmas, no Brasil.
Funcionamento
O e-dinheiro funciona assim: a pessoa faz o download do aplicativo e se cadastra na plataforma de forma gratuita com seu número de CPF. Em seguida, deposita no banco comunitário um determinado valor em reais que será convertido em um saldo eletrônico na plataforma.
A distribuidora de alimentos e bebidas do comerciante Josemar Chaves, de 41 anos, foi um dos primeiros estabelecimentos a adotar o e-dinheiro como forma de pagamento no Conjunto Palmeiras (hoje há 30 cadastrados). Chaves destaca que ainda são poucos os clientes que usam a plataforma, mas que há facilidades no seu uso.
“As taxas que pago para o Banco Palmas por meio do aplicativo são próximas ao que pago nas bandeiras de cartão de crédito tradicional e nas quais tenho mais clientes. Mas, via aplicativo, eu recebo o dinheiro na hora, não preciso esperar os 30 dias. Isso ajuda o meu capital de giro e as compras que tenho de fazer de forma mais imediata”, explica o comerciante. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.