No meio da produção deles surgiu uma crônica sobre aquele tipo de pessoa que se torna incômoda por causa de seu grande empenho em ser gentil.
Escrita por volta de
Na crônica a que estamos nos referindo, um personagem tenta sorrateiramente escapar da chatice de carregar sua galocha, quando já não havia mais chuva que permitisse usá-la nos pés, fingindo esquecê-la sob a mesa de um restaurante. Quando ele já se aproximava da porta libertadora do estabelecimento, porém, alguém, supondo estar prestando-lhe um favor, alerta-o, em voz alta, que ele está se esquecendo da galocha. E isto o obriga a, contrariado, recuperá-la. Aquela pessoa, para o cronista, é um típico “monstro da gentileza”.
É desta espécie de ser humano que o educador Rubem Alves trata na sua crônica “Confirmações”, publicada na última semana pelo jornal Folha de S. Paulo, embora sem empregar a designação que lhe foi dada antes.
Rubem é um admirável educador cujos textos são impregnados de uma visão comovida, emocionada, do ser humano. As “confirmações” a que se refere são as cadeias com as quais somos aprisionados dentro de uma condição a nós imposta, dentro do convívio social.
No seu texto um personagem – evidentemente, o próprio Rubem-, viaja de pé, num vagão de metrô, quando percebe que uma jovem, sentada, lhe sorri. A percepção desperta nele a fantasia de ter parecido a ela um homem atraente. No entanto, em seguida, a jovem se levanta e oferece seu lugar. Ele, então, entende que ela apenas o considerava um velho, incapaz de viajar de pé, no metrô.
Outros episódios semelhantes, vão empurrando forçosamente o personagem em direção da convicção de que ele vê a si próprio como um homem maduro, na “melhor idade” – de acordo com o chavão idiota com o qual muita gente presume engambelar os velhos – enquanto as pessoas com as quais ele cruza o esmagam com demonstrações de gentileza que apenas confirmam a disposição delas em encerrá-lo na condição de uma pessoa quase inválida, por ser idosa. São, novamente, os monstros da gentileza agindo. De suas maldades inconscientes, revestidas de boa intenção, um jovem poeta pensou em se livrar. Seu poema “Sursis” diz:
“Despejar a epiderme/ de todos os olhares./Trincar esta malha de juízo/ e aflorar noutra face”.
Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP