Neste sábado, 30, o artista francês François Morellet completa 90 anos em plena atividade. Simultaneamente, ele inaugura duas exposições com obras dos anos 1960 e 1970, uma em São Paulo, na Dan Galeria, e outra em Londres, na Mayor Gallery. Além das mostras, reunidas no livro A Regra do Jogo, também lançado amanhã, uma terceira exposição abriga peças em néon de Morellet, na galeria londrina Annely Juda.
Desde os 1960, ele usa esses tubos de luz como suporte, que, na época, eram utilizados por artistas minimalistas, como Dan Flavin. Morellet, sintonizado com outros movimentos de vanguarda, passou pela arte cinética e foi um dos nomes promovidos pela galeria de Denise René (1913-2012), entre eles Julio Le Parc, seu colega no Groupe de Recherche dArt Visuel, criado em 1961.
Inicialmente figurativo, inspirado pelas “tapas” da Oceania (arte dos povos do Taiti e outras ilhas), Morellet fez sua primeira exposição em 1950, aos 24 anos, já bem próximo da arte abstrata. As cores, claras e transparentes, ainda não definiam sua inclinação para o concretismo, que o impressionou em suas duas viagens ao Brasil, uma em 1950 e outra em 1951, quando descobriu a arte de Max Bill numa mostra retrospectiva dedicada ao suíço, no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
No ano seguinte, 1951, outro encontro revelador no Brasil: Morellet conhece Almir Mavignier, hoje grande amigo. Mavignier ajudou a definir seu caminho, que segue tanto a trilha aberta por Mondrian como a dos concretos. De Mondrian ele toma emprestado as formas geométricas elementares, usadas em composições simples. Dos concretos, ele assimilou a redução ao mínimo – três ou quatro planos justapostos, ocupando a superfície de modo homogêneo e adotando estruturas que parecem extrapolar os limites da tela, o que sugere parentesco com a arte islâmica.
De fato, desde 1951, é perceptível a tentativa de emular a forma composicional da arte islâmica registrada em Granada, adotando o raciocínio matemático que levaria Morellet a assinar suas primeiras obras-primas dois anos depois, como a histórica tela quadrada formada por cruzes (Violet, Bleu, Verte, Jaune, Orange, Rouge, 1953), hoje no Museu de Arte Moderna do Centre Pompidou, em Paris.
Até 1958, tudo foi ordem, mas as coisas mudaram quando ele decidiu deixar que o acaso se manifestasse. Seu repertório formal foi, então, ampliado por uma mudança em sua concepção filosófica sobre o ato de pintar. Os arabescos de Alhambra e o neoplasticismo de Mondrian o encorajaram a ver de forma “menos clara”, isto é, a dar uma chance não só ao acaso, mas ao que surge na fase posterior à realização da tela, uma manifestação de caráter fenomenológico. É justamente a época do cinetismo, quando ele se filia ao grupo de pesquisas visuais que emerge por coincidência na fase embrionária da arte cinética. São dessa época alguns dos 32 trabalhos reunidos na mostra paulistana e londrina.
Na Dan Galeria estão 16 dessas obras, produzidas no melhor período de Morellet – ou, pelo menos, no mais criativo. “Resolvemos focar no final dos anos 1960 até 1973, tanto na mostra de São Paulo como em Londres, por entender que esse período revela tanto a influência da arte islâmica como da arte cinética”, justifica o curador da mostra, Flávio Cohn. De fato, com a dissolução do seu grupo, Morellet ganha a primeira exposição individual num museu (o Stedelijk van Abdemuseum de Einhoven), em 1971, quando começam a chover as encomendas públicas para intervenção em prédios (desde grupos escolares a bibliotecas, passando por indústrias).
“Morellet, que herdou do pai uma fábrica de carrinhos de bebê, não teve problemas com a sistematização de um processo e a repetição de suas tramas, apropriando-se dos recursos da sociedade industrial, como os concretos o fizeram”, observa Cohn. Tudo para construir uma arte anti-impressionista, o que explica sua escolha da técnica da serigrafia no processo de elaboração dessas telas. Elas registram traços e cores em composições rigorosas que não revelam o gesto do artista por trás da tela, mas uma realização quase mecânica.
Sua opção pelo néon foi claramente determinada pela rejeição dele e dos outros artistas do seu grupo de pesquisas à pintura tradicional, em busca de novas técnicas e materiais. “Da década de 1970 em diante, os trabalhos deixam de ser realizados em pequeno formato e conquistam novas dimensões com o interesse de Morellet pela arquitetura”, lembra o curador. Mas essa fase de transição não é contemplada na mostra da Dan Galeria. Em contrapartida, ela reúne belos trabalhos de Morellet inspirados na arte linear muçulmana, nos motivos repetitivos e nas redes de trama sobrepostas que definem sua obra.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.