Para a atriz Anna Karina, ex-mulher de Jean-Luc Godard, Jacques Rivette foi um dos “mais livres e maiores inventores cineastas da nouvelle-vague.” E o próprio presidente François Hollande disse que ele foi um dos maiores diretores da França, “cuja obra fora dos padrões lhe valeu admiração internacional.” Rivette morreu na manhã desta sexta-feira, 29, em Paris. Sofria de Alzheimer.
Rivette tornou-se conhecido e admirado por filmes como Paris nos Pertence, A Religiosa (com Anna Karina) e A Bela Intrigante (com Emmanuelle Béart). Ex-crítico, pertencia à geração que revolucionou o cinema francês na segunda metade dos anos 1950. Como Godard, François Truffaut e Eric Rohmer, escrevia na Cahiers du Cinéma. Como o célebre artigo de Truffaut, contestando o cinema francês de qualidade, causou repercussão, na época, o texto que chamou De la Abjéction.
O que causava abjeção em Rivette era o travelling (movimento de câmera) do cineasta italiano Gillo Pontecorvo em direção a Emmanuelle Riva numa cena decisiva de Kapò, de 1960. A personagem era uma mulher judia internada num campo de concentração dos nazistas. Lançava-se contra a câmera eletrificada. O plano plástico buscava sua mão estendida, detalhe que Rivette considerou imoral. A nouvelle vague, diziam seus autores, era uma questão de travelling (um cinema da liberdade). E o travelling, uma questão moral.
Você encontra o texto de Rivette na internet. E também seus desdobramentos, inclusive outro texto famoso do crítico Serge Daney retomando o debate. Rivette demorou muito para concluir Paris Nos Pertence, sobre garota que integra grupo de teatro numa montagem de Shakespeare. A Religiosa, adaptado de Diderot, teve problemas com a censura (na França!) e permaneceu anos proibido. A Bela Intrigante, adaptado de histórias curtas de Honoré de Balzac e Henry James, é sobre um velho artista que retoma quadro inacabado, submetendo sua modelo (Emmanuelle Béart, esplendorosamente nua) a posições incômodas e situações de dominação.
Filmes como Paris nos Pertence e A Bela Intrigante dissecam o processo criativo. São longos (mais de quatro horas cada). Em 2007, apresentou em Berlim o que talvez seja seu mais belo filme, Ne Touchez Pas la Hache, adaptado de A Duquesa de Langeais, de Balzac. O general De Montriveau reencontra num convento, numa ilha espanhola, a mulher que amou no passado. A narrativa retrocede cinco anos. É um filme romanesco, suntuosamente narrado, sobre maquinações políticas e a natureza do desejo, que tanto atraía Rivette. Jeanne Balibar e Guillaume Depardieu são magníficos. Ele, filho de Gerard Depardieu, tinha uma relação estremecida com o pai. Morreu prematuramente, de uma pneumonia, no ano seguinte (2008).