A torcida faz parte do espetáculo do futebol e está presente nos estádios brasileiros pelo menos desde a década de 1940 na forma de torcidas organizadas, surgidas a partir de associações de torcedores reunidos pelo amor ao esporte e com o propósito de incentivar os respectivos times.
Com o aumento da popularidade do futebol, a adesão às torcidas organizadas adquiriu proporções de profissionalismo, sob o amparo dos clubes, mediante concessão de benefícios, nem sempre transparentes. Até mesmo a característica de torcida parece ter se tornado um componente dessas associações, que, a despeito de pregarem apoio incondicional aos clubes como motivo de suas existências, subsistem em benefício próprio.
Isso tudo é realizado de modo independente e à margem do clube futebolístico que dizem apoiar, com objetivos financeiros diretos ou indiretos, com a adesão de “torcedores contribuintes” aos seus quadros.
Como consequência, os estádios passaram a ser loteados pelas organizadas de cada clube, ao ponto de se aliarem a torcidas organizadas de outros locais para garantir acesso tranquilo em jogos contra equipes rivais. Também como consequência, torcedores rivais se transformaram em torcidas organizadas rivais, em grupos de torcidas organizadas rivais.
E, chegado a este ponto, da profissionalização da torcida e do uso comercial, temos desenhado o cenário de alijamento do torcedor comum dos estádios, de um lado, e da violência entre as organizadas, de outro. Ao fim, somente os torcedores profissionais, financiados pelas torcidas organizadas e clubes, é que acabam comparecendo a todos os jogos.
Esse cenário desestimulante é alimentado pela negligência no tratamento dos episódios de violência, clandestinidade e ilegalidades como se fossem atos isolados e afeitos às pessoas envolvidas, e não à agremiação.
O Estado, por sua vez, ao invés de regulamentar e, de fato, organizar a atuação das torcidas, fica refém dessa lógica, tendo que disponibilizar, sem contraprestação alguma, força policial, transporte público exclusivo, interceptar vias de acesso aos estádios, enfim, transformando a rotina do local público em dias de jogos, na tentativa de evitar episódios de violência.
É preciso adotar medidas concretas a este respeito, iniciando pela identificação e cadastro de cada um dos torcedores vinculados a esses grupos, a fim de que sejam todos responsabilizados. É necessário ir além e atribuir o caráter de associações criminosas, e proibindo nova aglomeração dessas pessoas, sob qualquer outro nome ou propósito.
A presença sadia do público nos estádios durante a Copa do Mundo dá um esboço – e uma esperança – do que é preciso buscar: o retorno do “torcedor comum” ao estádio, resgatando o propósito de lazer, e, acima de tudo, garantindo o encerramento do espetáculo na volta para casa, com festejo ou pesar, mas, em todos os casos, com paz e com a certeza de poder cantar “mas que beleza é uma partida de futebol”.
* Dimas Eduardo Ramalho, Conselheiro Corregedor do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP)