Cazuza dizia que tinha tudo para dar errado. Tinha a língua presa, era filho de um homem poderoso da indústria fonográfica brasileira. Mas, por brilho e talento próprios, o cantor e compositor se tornou um dos grandes nomes da música brasileira, primeiro como líder da banda Barão Vermelho e, depois, na curta carreira solo.
Era poeta do primeiro time. E doce, rebelde, carinhoso, debochado. Viveu intensamente seus 32 anos. Morreu na manhã de 7 de julho de 1990, vítima de complicações decorrentes da aids. Nesta terça-feira, 7, completam-se 25 anos de sua partida. Em outubro, serão 25 anos da fundação da Sociedade Viva Cazuza, que sua mãe, Lucinha Araújo, criou três meses após a morte do filho, para abrigar crianças soropositivas. Neste ano, são comemorados ainda os 30 anos de Exagerado, o primeiro disco solo de Cazuza e a canção-título, o primeiro sucesso da carreira pós Barão.
Lucinha diz que não é necessário projetos especiais para que Cazuza seja recordado. “Ele é lembrado até hoje, se eu não existisse nem o pai dele, ele seria famoso de qualquer maneira. Ele tem material para isso”, afirma. Mas não queria “deixar apagada” a data dos 25 anos sem Cazuza. Por isso, um disco com letras inéditas do compositor vai ser lançado pela Sony, com previsão para este ano.
Tudo ainda está muito no começo, Lucinha avisa. “Cazuza deixou 65 letras inéditas, que estão comigo desde que ele morreu. Quem está me ajudando nisso é a Paula Lavigne, porque eu, sozinha, achei que não ia ser capaz. Ela está produzindo esse CD de músicas inéditas junto com a Sony”, adianta. “Caetano vai musicar um poema, o Gil, outro, Seu Jorge, o Rogério Flausino, a Baby Consuelo, todo mundo quis fazer, todo mundo ficou muito animado.”
Os artistas convidados ainda estão na fase de escolha das canções. Até agora, só a cantora Bebel Gilberto, amiga de adolescência de Cazuza, musicou uma letra, Brazilian Prayer. “É uma letra que ele tinha em inglês. Mandei para ela nos EUA, ela musicou, já cantou para mim pelo telefone. Ficou muito bonito.”
Para ver, ouvir – e ler
Este ano, Cazuza será celebrado em versões para ver, ouvir – e ler. Além do disco com canções inéditas, serão relançadas edições atualizadas dos livros Só As Mães São Felizes (1997) e Preciso Dizer Que Te Amo (2001), ambos projetos de Lucinha Araujo lançados pela Editora Globo e que devem ganhar novas edições até agosto. O primeiro virou best-seller e serviu de base para outros dois projetos bem-sucedidos: o filme Cazuza – O Tempo Não Para (2004), dirigido por Sandra Werneck e Walter Carvalho, e protagonizado magistralmente por Daniel de Oliveira, e Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz, o Musical, que estreou em 2013 e atualmente está rodando o Brasil, com a revelação Emilio Dantas dando vida ao poeta transgressor. “O que pude acompanhar do processo (do musical) eu acompanhei, aquele menino é maravilhoso. Achei que, depois de Daniel de Oliveira, ninguém faria Cazuza tão bem, mas ele fez tão bem quanto”, elogia Lucinha.
Só As Mães São Felizes, o livro, é de Lucinha em depoimento à jornalista Regina Echeverria, autora de biografias como A História da Princesa Isabel e Gonzaguinha & Gonzagão – Uma História Brasileira. É o retrato fiel e tocante de Cazuza sob a ótica sincera de uma mãe.
Já o livro Preciso Dizer Que Te Amo, nova parceria de Lucinha e Regina, agrupa fotos, poesias e letras de músicas, incluindo material inédito, com comentários dos parceiros. “Estamos atualizando, porque estava defasado. Eu coloco as letras e, no final, escrevo que a música foi gravada em tal ano por tal pessoa”, detalha Lucinha. “Codinome Beija-Flor tem mais de 30 regravações.” Na versão ampliada da obra, ela vai incluir Sorte e Azar, que está na trilha do musical. Lucinha conta como foi descoberta: “Essa música eu não conhecia. Quando o Barão gravou o primeiro disco, a canção seria desse álbum, mas o Zeca (o produtor Ezequiel Neves) disse que azar não era uma palavra boa para ter em música, então ela ficou perdida, estava na Som Livre, aí o Barão ressuscitou a música e eu nem conhecia, é um achado.” É nesse livro que estão as letras que serão gravadas no novo disco.
Completa a trilogia o livro O Tempo Não Para, de 2011, que relata a história da Sociedade Viva Cazuza. Agora, Lucinha está envolvida num quarto livro: a biografia do marido, João Araújo, que, segundo ela, não será como em Só As Mães São Felizes, porque “de marido, não dá para falar na primeira pessoa”, brinca.
De homem importante da indústria fonográfica, fundador da gravadora Som Livre – onde ficou por 38 anos-, responsável por revelar nomes como Novos Baianos, Djavan, Caetano e Gal Costa, João se tornou o pai de Cazuza quando o filho alcançou o sucesso. Regina Echeverria, que engata nova dobradinha com Lucinha neste projeto, diz que ainda está na fase das entrevistas. Já conversou com nomes como Djavan, Gil, Frejat, Guto Graça Mello, Gloria Perez. “Ele começou em gravadora em 1955. A ideia é contar a história dele, acompanhando também a evolução da MPB por meio dos discos e da indústria”, afirma Regina. Segundo ela, o livro deve ficar pronto até abril. Toda a venda relacionada à obra do compositor é revertida à Sociedade Viva Cazuza.