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Mostra atesta como obra de Picasso marcou seus contemporâneos

Quando o Palazzo Strozzi de Florença exibiu a mostra Picasso e a Modernidade Espanhola, sua repercussão internacional impressionou até seu curador, Eugenio Carmona. Comentaristas, segundo ele, consideraram que a exposição, aberta a partir de terça, 24, para convidados, e quarta, 25, para o público, no CCBB, promovia uma verdadeira “revisão do conceito de arte moderna”. Picasso e os outros artistas presentes na mostra representariam, segundo esses comentaristas, arautos de uma modernidade que já não acreditava mais nas relações centro-periferia, “mas na arte moderna como um processo dinâmico e múltiplo”.

É verdade que Picasso, nascido em 1881, em Málaga, na costa da Andaluzia, estava decidido a ser maior que sua cidade, então uma província fundada pelos fenícios, nem que para isso tivesse de esfregar a “primitiva” arte africana na cara dos franceses, chocando burgueses escandalizáveis com suas prostitutas angulosas de Les Demoiselles dAvignon (1906/7). Estava igualmente destinado a superar o próprio pai, o também pintor (mediano) Jose Ruiz Blasco, que, segundo a lenda, entregou seus pincéis e a paleta ao filho, ao constatar que jamais pintaria como ele. Como a cidade que adotou aos 14 anos, Barcelona, Picasso tinha o sangue separatista nas veias. Não queria ser periférico.

Vale lembrar que Barcelona sempre desejou concorrer com as grandes capitais europeias da arte – como Paris e Londres. Foi em Barcelona que Picasso descobriu a modernidade, mais exatamente no quartel-general da vanguarda catalã, o café Els Quatre Gats, frequentado por pintores como Isidro Nonell, de vocação impressionista.

É claro que os historiadores vão lembrar o impacto que teve a pintura de franceses como Manet ou do norueguês Munch sobre Picasso quando ele partiu para Paris. O pintor, de fato, deixou-se influenciar por todos eles, mas, da mesma forma que emulou o Munch da fase final e tomou de assalto a barca cubista de Braque, também se livrou da bagagem com a mesma facilidade, recriando o cubismo a seu modo. “Ao selecionar cada peça de Picasso para a exposição, consideramos que cada uma delas serviria para destacar um aspecto desse artista capaz de renovar a si mesmo dentro do panorama da arte moderna”, justifica o curador Carmona.

O diálogo de Picasso com seus contemporâneos espanhóis é o que mais importa nessa exposição em que o público vai encontrar pontos de afinidade entre Juan Gris e Oteiza ou entre Julio González e Miró, garante o curador. Ou entre o próprio Picasso e Maria Blanchard, que também estudou em Paris e foi influenciada pelos cubistas (Lipchitz, Gris), como prova a tela Mulher com Violão (1917), reproduzida nesta página ao lado de uma pintura de Picasso, Mulher Sentada e Apoiada sobre o Cotovelo, realizada anos depois (em 1939).
Curiosamente, as duas estão na mesma posição. Mas Blanchard figura ao lado de Gris no módulo Ideia e Forma.

Já o encontro de Dalí com Picasso em 1926 produziu efeitos mais devastadores (leia abaixo texto sobre a correspondência entre os dois). Prova dessa devastação é a tela Arlequim, na mostra, pintada por Dalí justamente nesse ano em que Picasso, associado aos surrealistas e apadrinhado por Breton, produz uma obra insólita, Violão, com um trapo de aniagem colado à tela (um pouco à moda dos dadaístas). O Arlequim de Dalí na exposição é um Picasso reciclado da época em que o cubista pintava mulheres sentadas divididas em duas – o que ele chamava de “um ideograma da neurose, da ameaça e da dominação”.

Com Miró, que Picasso ajudou quando este chegou a Paris, em 1919, as relações foram mais francas. Picasso tinha consciência da solidez da pintura do amigo, que Breton definiu como “a mais importante contribuição para o desenvolvimento da arte surrealista”. Tanto que ajustou sua obra posterior ao modelo. Ele foi influenciado, mas influenciou. Prova disso é Barradas com sua tela Homem no Café (1923), picassiana até a medula. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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