Estadão

Mostra de manuscritos traz a História ao alcance dos nossos olhos

Logo na entrada da exposição, o visitante encontra a primeira raridade: um pergaminho com assinaturas de quatro papas e um santo, firmadas em 1153. Trata-se do mais valioso documento da mostra A Magia do Manuscrito, que será aberta no Sesc Avenida Paulista, na quarta-feira, 28. É o início de uma maravilhosa viagem no tempo por meio de 180 preciosos documentos deixados por ilustres nomes da arte, política, ciência e história. São cartas, desenhos, fotografias assinadas, partituras e bilhetes de personalidades que vão de Michelangelo, Van Gogh, Beethoven e Freud a brasileiros como Tiradentes, Machado de Assis, Santos Dumont, os imperadores Pedro I e Pedro II, e Ayrton Senna.

"A mostra nasceu a partir do sucesso de uma exposição menor, com 140 documentos, que ocorreu em Nova York, em 2018: em quatro meses, foram 180 mil visitantes", explica o editor, bibliófilo e especialista em manuscritos Pedro Corrêa do Lago, dono da coleção da qual foram pinçados os valiosos papéis. "A diferença é que, em São Paulo, há mais peças brasileiras que podem interessar ao público."

Com uma quantidade que varia entre 40 mil e 50 mil peças, a coleção de Corrêa do Lago é considerada a mais importante do mundo em mãos particulares. E, não bastasse o valor da raridade de cada documento, a mostra do Sesc vai oferecer a oportunidade de se observar pessoalmente os originais, experiência que permitirá, por exemplo, notar rabiscos feitos por Napoleão Bonaparte, um artigo manuscrito de Simone de Beauvoir, a partitura de Chega de Saudade, de Tom Jobim, uma lista feita por Tiradentes, a versão do conto A Biblioteca de Babel na letra de seu autor, Jorge Luis Borges.

"Vou em busca de peças que tenham um contundente significado", comenta o colecionador que, para a mostra, selecionou diversos documentos que nunca foram exibidos publicamente no Brasil. "Aproveitei o interesse pelo centenário da Semana de Arte de 1922 e o bicentenário da Independência e escolhi peças referentes a esses eventos."

Outro detalhe que norteou a curadoria surgiu de conversas com jovens. "Percebi, por exemplo, um desinteresse por nomes como Charles Chaplin e Federico Fellini, que ficaram de fora. Em compensação, poderão ser vistos originais que trazem a caligrafia de figuras díspares, como o ex-presidente americano Abraham Lincoln e o ator inglês Daniel Radcliffe.

Detalhe importante: quando menciona autógrafo, Corrêa do Lago não se limita à assinatura da pessoa, mas qualquer exemplo de sua caligrafia, escrita de próprio punho. É o que o motiva a percorrer leilões de raridades ao redor do mundo, em busca de peças ainda ambicionadas – como um papel assinado pelo monge Martinho Lutero, uma das figuras centrais da Reforma Protestante.

"Atualmente, há preciosidades raras como uma carta de Galileu Galilei ou qualquer documento de Leonardo da Vinci – quando alguém se dispõe a vender, a negociação começa por US$ 300 milhões", conta Corrêa do Lago, que iniciou sua coleção em 1970, quando, então com 12 anos, filho de diplomata e então vivendo na Bélgica, pegou um catálogo do pai do Quem É Quem em busca de nomes de pessoas notáveis. Escreveu para um punhado delas, pedindo um autógrafo.

A primeira resposta foi decepcionante – a secretária do escritor J. R. R. Tolkien, autor da saga do Senhor dos Anéis, escreveu uma carta se desculpando pelo autor, incapaz de atender a uma avalanche de pedidos. Frustrado com o que parecia ser uma coleção fadada ao fracasso, o jovem logo se reanimou quando recebeu um enorme envelope, contendo o livro LEnfant Sauvage autografado pelo cineasta François Truffaut.

Foi o ponto de partida para reunir peças que surpreendem pelo caráter inusitado: é o caso de uma gigantesca assinatura de Beethoven num recibo de mecenato ou da contagem de versos de João Cabral de Melo Neto, que estarão na mostra do Sesc. O colecionador orgulha-se de uma raridade: o registro dos primeiros parágrafos de No Caminho de Swann, de Marcel Proust, com correções do autor. Para preservar o material, Corrêa do Lago guarda sua coleção em arquivos alemães à prova de fogo e água, que pesam 300 quilos.

<b>Preste atenção</b>

<b>Michelangelo</b>

Em um bilhete, o artista encomenda um mármore.

<b>D. Pedro I</b>

O imperador manda bilhete e poema para a amante Domitila de Castro, assinando "Demonão".

<b>Einstein</b>

O grande físico critica, em uma carta, a psicanálise.

<b>Marechal Rondon</b>

Em carta, o sertanista manifesta seu desagrado com a presença de militares no poder.

<b>Paul Gauguin</b>

Em carta de 1889, pintor comenta o episódio em que Vincent Van Gogh, em surto, decepou a própria orelha, no ano anterior.

<b>Gandhi</b>

Em 1947, um ano antes de ser assassinado, pacifista diz que, apesar de focar na reconciliação, as possibilidades são de que "o fogo me atinja, antes que eu o apague".

<b>Napoleão Bonaparte</b>

Para combater uma reunião enfadonha, imperador fez desenhos curiosos.

<b>Hemingway</b>

Em carta, o jovem chama o pai para ver uma partida de beisebol.

<b>SERVIÇO</b>

A Magia do Manuscrito. Coleção de Pedro Corrêa do Lago

Sesc Avenida Paulista – Avenida Paulista, 119. Tel.: (11) 3170-0800

Terça a sexta, das 10h às 21h30

Sábado e domingo, das 10h às 18h30

Grátis. Até 15/1/2023

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