Tendo a linguagem por principal matéria-prima, Paulo Bruscky teceu ao longo das últimas décadas uma teia gigante e fértil de relações poéticas que têm a palavra, os símbolos e os meios de troca como principais elementos de criação. Como fica evidente na mostra Arte É a Última Esperança, em cartaz até o dia 25 de janeiro, segunda-feira, no Centro Cultural dos Correios, no Vale do Anhangabaú, sua relação com a produção artística vai muito além do campo da visualidade, construindo sentidos com coisas aparentemente banais, promovendo fricções entre elementos, objetos e, sobretudo, ideias que permeiam o cotidiano.
Cartões-postais, fotocópias, anúncios de jornal, recortes e colagens, dentre outras intervenções criadas e veiculadas pelo artista pernambucano, compõem o núcleo do panorama criado pelo curador Antonio Sergio Bessa. Essa é a segunda vez que o crítico literário se debruça sobre a arte postal de Bruscky. A primeira vez foi em 2014, quando realizou a retrospectiva Paulo Bruscky: Art Is Our Last Hope, exibida no Bronx Museum e no Phoenix Art Museum.
A ênfase da análise de Bessa recai sobre o caráter transformador e ousado das criações de Bruscky. Ele procura destacar ao mesmo tempo seu caráter inovador e as conexões, nem sempre claras, entre as ações muitas vezes disruptivas de Brusky e outras intervenções de vanguarda no campo da literatura e das artes no Brasil e no mundo. No caso da mostra paulistana, a seleção de quase 120 trabalhos revela o profundo interesse do artista em explorar sistemas de trocas de informação como os correios, que sediam a mostra. Um aspecto curioso da exposição é que, graças à parceria com os correios, o serviço educativo do Centro Cultural está oferecendo às escolas visitantes a possibilidade de interagir com Bruscky e experimentar de fato as possibilidades de investigação do meio após a visitação, criando e enviando gratuitamente mensagens para ele.
Numa montagem ousada, que usa como recurso molduras transparentes que se projetam no espaço para permitir que se observe a frente e o verso dos trabalhos – mas que, infelizmente, se encontram muito próximas umas das outras, dificultando um pouco a observação individualizada dos itens -, foram alinhadas dezenas de correspondências criadas ou reelaboradas por Bruscky entre as décadas de 1970 e os dias de hoje. São montagens, recortes e reconstruções figurativas – como a exploração das marcas e anotações sobre os envelopes, o uso de carimbos e a adoção de frases irônicas – que reforçam o caráter provocativo de suas ações. “Para Bruscky, teorias são só dispositivos conceituais da grande máquina cultural que ele ambiciona desconstruir”, afirma o curador.
Essas desconstruções – que estão entre as primeiras e mais ousadas experiências de vanguarda em arte postal no Brasil e vêm despertando crescente interesse dentro e fora do País – se inserem no contexto mais amplo do movimento Fluxus e da arte conceitual. Trazem à baila elementos de cunho poético e algumas vezes delirante, como o anúncio em que Bruscky coloca à venda uma máquina capaz de registrar sonhos e a hilária resposta de um leitor que decide comentar em carta o desafio e a relevância de se criar tal equipamento. Trata-se de uma exposição de caráter sobretudo arquivístico, que só é possível graças à obsessão colecionista do artista, que o levou a acumular, ao longo de mais de 40 anos, um acervo com mais de 70 mil itens. Ali se mesclam uma ampla gama de referências, criações pessoais e registros de uma intensa troca com interlocutores de todo o planeta.
Também se fazem intensamente presentes, com maior ou menor sutileza, as tensões políticas e sociais vivenciadas no País. Apesar de uma intensa relação de troca com interlocutores dos mais diferentes cantos, a obra de Bruscky sempre foi – como destaca Bessa – profundamente ancorada em sua cidade natal, Recife, e no cenário concreto do território brasileiro. É o caso por exemplo de Título de Eleitor Cancelado, de 1976, numa clara referência à impossibilidade de exercer o direito de voto num contexto ditatorial no período do regime militar. Em outras palavras, Bruscky lança mão de denúncias, ironias ou contradições provocativas, cria curtos-circuitos na tentativa de levar o público a repensar o mundo e a arte por elos de comunicação que permitam superar os limites políticos e físicos de seu tempo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.