No cenário artístico internacional, o carioca Hélio Oiticica (1937-1980) vem sendo gradativamente visto, quatro décadas depois de sua morte, como um dos artistas latino-americanos mais inovadores e influentes na segunda metade do século 20. Nos Estados Unidos, esse reconhecimento se confirma em Hélio Oiticica: To Organize Delirium, a maior retrospectiva de toda a carreira dele apresentada no país até hoje. Exibida entre outubro do ano passado e janeiro deste ano no Carnegie Museum of Art, de Pittsburgh, depois pelo Art Institut, de Chicago, entre fevereiro e maio, a retrospectiva chega agora a Nova York, onde o Whitney Museum vai mostrá-la a partir desta sexta-feira, 14 de julho.
Hélio Oiticica: To Organize Delirium foi produzida pelos três museus. Reúne cerca de 150 peças que remontam a carreira do artista brasileiro desde meados da década de 1950, com suas investigações geométricas sobre desenho e pintura influenciadas por artistas e teóricos da cor como o russo Wassily Kandinsky, o suíço Paul Klee e o holandês Piet Mondrian. Outras obras criadas por ele nesse período inicial também estão em exibição em Nova York na mostra Grupo Frente, que a Galerie Lelong apresenta até 5 de agosto, destacando o histórico movimento iniciado por Ivan Serpa. Na galeria estão trabalhos de Aluísio Carvão, João José Costa, Lygia Clark, Rubem Ludolf, César Oiticica (irmão de Hélio), Abraham Palatnik, Lygia Pape, Décio Vieira e do próprio Serpa. Foi com ele que, em 1954, Oiticica fez seus primeiros estudos de desenho e pintura.
Como uma parte expressiva das obras de Oiticica foi destruída por incêndio na casa da família dele, no Rio, em outubro de 2009, muitos dos trabalhos incluídos na retrospectiva são réplicas autorizadas pela família do artista. Há também alguns cedidos por colecionadores particulares e instituições como a Tate Modern, de Londres, que lhe dedicou uma sala exclusiva, e o Museum of Modern Art (MoMA), que exibiu um trabalho dele pela primeira vez em 1970, em Information, uma coletiva de artistas jovens de 15 países.
Logo depois dessa exposição no MoMA, Oiticica ganhou bolsa da Fundação Guggenheim para desenvolver sua arte em Nova York, onde morou entre 1970 e 1978. Ao conceber a retrospectiva, a curadoria concentrou atenção particular na expansão da criatividade dele na época em que muitos artistas internacionais vieram viver e trabalhar na cidade. Elisabeth Sussman, curadora de fotografia no Whitney e uma das responsáveis pela organização de Hélio Oiticica: To Organize Delirium, diz que as ideias de Oiticica no cinema, na fotografia e na escrita, exploradas na pesquisa para a exposição, o identificam “como uma presença paradigmática na expansão global de prática de arte naquela década”.
Envolvido no centro da arte de vanguarda, Oiticica morou num pequeno apartamento da Segunda Avenida, no East Village, transformando seu espaço pessoal em “ninho” (“nest”, em inglês), como intitulou diversos trabalhos desse período. Naquele ambiente de arte experimental, fundindo palavras para sugerir um prazer criador, seus amigos e convidados se envolviam em “crelazer” (creleisure, em inglês). Durante seus anos de Nova York, ele ampliou seu trabalho em cinema, suas criações de ambientes com slides e seus projetos de escrita, incluindo poesias concretas, cartas, manifestos, propostas para projetos de arte pública e performances pela cidade.
A frase “to organize delirium” (para organizar o delírio) no título da retrospectiva vem de uma descrição da arte de Hélio Oiticica feita pelo poeta, ensaísta e tradutor Haroldo de Campos. O escritor partiu do termo “delirium ambulatorium”, usado pelo artista plástico para explicar sua proposta de emancipação do corpo e a diluição das fronteiras entre obra de arte e recepção.
Inovador inquieto, pelo impacto causado com seus metaesquemas, suas obras neoconcretas, seus bólides e parangolés, introduzindo o espectador no espaço da pintura numa época em que ainda nem estava em voga o conceito de “instalação”, Oiticica “foi um dos artistas mais ousados a surgir, em qualquer lugar, depois da 2.ª Guerra Mundial”, diz Elisabeth. Para ela, as contribuições dele “são fundamentais para as discussões internacionais e contemporâneas sobre o modernismo, a sexualidade e o potencial político da arte”. Hélio Oiticica: To Organize Delirium fica em exposição no Whitney até o dia 1.º de outubro.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.