Variedades

Mostra recupera velha mística da EAV, no Rio

Ensinar e debater arte com base em um programa “não branco, não europeu, não colonial, não geográfico”, tocado por nomes de vanguarda, antropólogos, cenógrafos, poetas e músicos e calcado na multidisciplinaridade e na liberdade irrestrita de pensamento e expressão. Isso em plena ditadura militar.

Rubens Gerchman (1942- 2008) se impôs esse desafio ao assumir, em 1975, o Instituto de Belas Artes, no Parque Lage, a bela área verde de mais de 50 hectares no bairro do Jardim Botânico, na zona sul do Rio, e transformá-lo na Escola de Artes Visuais (EAV), que completa 40 anos em 2015 como referência nacional.

Das sementes plantadas em seu “jardim da oposição” sairiam Beatriz Milhazes e Daniel Senise, nomes fortes da arte contemporânea, e dúzias de jovens interessados não só em técnicas de pintura, gravura, cerâmica, litografia, serigrafia ou fotografia, mas também em oficinas de temas como cultura negra, dança, “análise antropológica da música popular brasileira” e “introdução à história da loucura”.

Essa trajetória é contada na exposição EAV 75.79 – Um Horizonte de Eventos, aberta esta semana no Parque Lage. As cavalariças do palacete quase centenário abrigam gravuras, fotografias, cartazes e documentos que foram guardados e organizados pelo projeto Memória Lage, iniciado há sete meses. O curador é uma testemunha dessa aventura artística, o cenógrafo Helio Eichbauer, que tenta trazer para a mostra a mística dos primeiros anos da EAV. Formado em arquitetura cênica em Praga, à época já premiado por seu trabalho em teatro, ele foi companheiro de Gerchman de primeira hora, assim como a arquiteta Lina Bo Bardi, amiga de Gerchman e incentivadora da gestão.

Ele se recorda do destemor diante da ditadura – o respaldo do então governo do Estado do Rio lhes tranquilizava. “Não tinha intervenção, deixavam a gente fazer o que queria. A escola, mesmo sendo estatal, era um lugar onde era possível exercer a liberdade total. A realidade lá fora era muito difícil, a vida era complicada, cerceada.” Entre os colaboradores, estavam Lygia Pape, Celeida Tostes e Roberto DaMatta; Caetano Veloso, Luiz Melodia e Jards Macalé faziam shows.

Antes da chegada do grupo, o instituto tinha uma grade curricular tradicional, no estilo sala de aula com cavaletes. Em 1975, foram criadas oficinas de temas abrangentes, com espaço para arte popular, raízes indígenas e afro-brasileiras, música, dança e cinema, a área verde passou a ser explorada, os horários se tornaram flexíveis – “muita gente não queria ir para casa e dormia pelo jardim”.

Os 40 anos da EAV serão contados num livro a ser lançado em 2015. “Essa interdisciplinaridade está entranhada no pensamento da escola. Hoje, o que a gente busca é misturar ainda mais”, diz Marcio Botner, presidente da Organização Social que gere a EAV. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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