Denunciado como operador do suposto esquema de “rachadinha” do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), Fabrício Queiroz foi citado pelo Ministério Público do Rio na investigação contra o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), também filho do presidente da República. Por ter parentes que foram funcionários do parlamentar na Câmara Municipal, Queiroz chegou a ser alvo de novo pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal. Mas a Justiça não acolheu a demanda, já que ele próprio não teve relações diretas com o gabinete de Carlos.
Apesar da recusa da Justiça na decisão de 28 de maio – que atingiu o vereador e outras 26 pessoas -, um possível envolvimento de Queiroz continua sob avaliação. Dados das pessoas ligadas a ele que tiveram sigilo quebrado podem levar a suposto elo financeiro entre o gabinete de Carlos e o pivô do caso, Flávio. No documento assinado em 5 de maio, os promotores citam a denúncia de 2020 contra o policial da reserva. E destacam a necessidade de apurar sua participação também no outro esquema.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou movimentação financeira atípica na conta de Queiroz; foi o que levou o MP do Rio a desconfiar da existência da “rachadinha”. Nesse esquema, funcionários fantasmas nomeados em cargos de confiança repassariam a Flávio, com intermediação de Queiroz, a maior parte do salário que recebiam.
Os desvios ocorreriam na Assembleia Legislativa do Rio, onde o filho Zero Um do presidente Jair Bolsonaro foi deputado, eleito pela primeira vez em 2002. Segundo o Coaf, havia indícios de movimentações atípicas ligados a 22 deputados, em 2018. Queiroz foi assessor de Flávio por onze anos. Uma suposta organização criminosa atuaria no gabinete dele, dizem promotores do caso. O MP suspeita que esquema semelhante tenha sido adotado na assessoria de Carlos na Câmara Municipal, com participação do ex-assessor no Legislativo estadual.
<b>Queiroz pode ter participado de desvios na Câmara, diz MP em pedido</b>
“Considerando que já foram identificados indícios suficientes da participação de Fabrício José Carlos Queiroz no desvio de recursos oriundos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (…), impõe-se verificar se tal prática também estaria ocorrendo no âmbito da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a justificar o afastamento de sigilo de Márcio Gerbatim e Claudionor Gerbatim, assim como do próprio Fabrício Queiroz”, escreveram os promotores na demanda à Justiça. Em outro momento, eles classificam Queiroz como “suposto operador financeiro associado ao núcleo da família Gerbatim .
O caso dos Gerbatim, respectivamente sobrinho e ex-marido da atual mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, foi revelado pelo <b>Estadão</b> em 2019. Eles nunca tiveram emitidos crachás funcionais na Câmara, o que reforça os indícios de que seriam “fantasmas”. A reportagem é uma das que motivaram a abertura do procedimento contra Carlos, em meados daquele ano. O pedido de quebra de sigilo lista uma série de matérias jornalísticas que apontaram suspeitas desse tipo.
Ao explicar à Justiça a necessidade das quebras, o MP disse que somente o cruzamento dos dados bancários e fiscais dos investigados poderá dar a dimensão da amplitude dos supostos desvios. Comprovados, configurariam o crime de peculato, que ocorre quando servidor se apropria de dinheiro público. O período de abrangência dos pedidos de quebra varia de acordo com o tempo de vínculo que cada ex-assessor teve.
Os promotores pediram a quebra de sigilo de Queiroz, que teria relação mais periférica com o gabinete, a partir de abril de 2008. Foi nessa época que o então assessor de Flávio teve seu primeiro parente (Márcio) nomeado na assessoria de Carlos.
Junto com Queiroz, os Gerbatim integram um dos seis “núcleos” da investigação contra Carlos. O primeiro é o da família Siqueira, da segunda ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro. Ana Cristina Valle trabalhou no gabinete do enteado desde o primeiro dia do mandato dele, em janeiro de 2001, até abril de 2008, ano em que passou por conflitos com Bolsonaro no processo de separação. Ela é a personagem mais importante das apurações até aqui. No núcleo, há dois irmãos, dois cunhados, um primo e duas esposas de primos dela.
Os outros núcleos – que são, no fim das contas, famílias – envolvem os sobrenomes Góes, Martins, Fernandes e Duarte. Mais complexo que os demais, o grupo de Ana Cristina Valle inclui outros atores, como empresas dela e pessoas ligadas a esses CNPJs.
Preso preventivamente em junho do ano passado sob a acusação de obstruir as investigações, o suposto operador de Flávio ficou pouco menos de um mês na cadeia, antes de ter a prisão convertida em domiciliar. Ele passou meses em casa antes de conseguir a liberdade, em março deste ano, por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Apesar da liberdade obtida nesse ponto específico, Queiroz é um dos denunciados no processo por peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa. A denúncia está parada no Órgão Especial do TJ do Rio por causa de disputas judiciais envolvendo dois aspectos. A defesa contesta o foro do senador Flávio, que inicialmente estava na primeira instância, e a quebra de sigilo do parlamentar e de seus ex-assessores. Ela foi autorizada pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Federal, em abril de 2019, mas a decisão foi considerada mal fundamentada pelo STJ.
<b>MP vê indícios de lavagem de dinheiro; defesa de Queiroz não comenta</b>
Ainda embrionários, alguns indícios de possível lavagem de dinheiro são citados no documento do MP. Os principais foram revelados pelo <b>Estadão</b>: duas operações de compra de imóveis no Rio. O primeiro envolve o pagamento, pelo vereador, de R$ 150 mil em espécie quando Carlos tinha 20 anos, em 2003. O segundo foi o desembolso de um valor 70% abaixo do estipulado pela prefeitura para cálculo de imposto, o que levanta suspeita sobre eventuais pagamentos “por fora”.
Na investigação contra o irmão Flávio, as transações imobiliárias foram peça-chave para seguir o caminho do dinheiro. O MP elencou provas que considera robustas de que o então deputado estadual teria movimentado valores “por fora” na compra de dois imóveis em Copacabana, zona sul do Rio.
Procurada para comentar a menção a Queiroz no pedido de quebra de sigilo, a defesa do policial da reserva optou por não comentar. O PM da reserva e o senador Flávio Bolsonaro negam as acusações. A defesa de Carlos afirma não comentar a investigação sobre seu cliente, por ser sigilosa. Os Bolsonaros atribuem as acusações a perseguições políticas de adversários, que estariam interessados em atacar o governo de Jair Bolsonaro.