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MP precisa se reestruturar para realizar controle sobre as polícias, diz procurador

Coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial no Ministério Público Federal do Rio, o procurador da República Eduardo Benones disse que a fiscalização do trabalho das polícias por parte da instituição deveria ser mais operacional, mais efetiva, "à altura da atribuição que a Constituição nos deu".

O comentário veio em resposta às críticas da Anistia Internacional no documentário "Descontrole: o Ministério Público no centro das atenções", lançado na noite da última quarta-feira, 27. O filme acusa o MP de omissão diante de graves violações de direitos humanos que seriam perpetradas pelas polícias em comunidades carentes.

Dados da Rede de Observatórios de Segurança mostram que um jovem negro é morto a cada quatro horas pela polícia em pelo menos seis Estados brasileiros. Pela Constituição de 1988, é atribuição do Ministério Público (federal e estadual) o controle externo das atividades policiais.

A Procuradoria Geral da República (PGR) não quis se pronunciar institucionalmente sobre as críticas, afirmando que "só responde sobre casos específicos". O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), principal alvo das críticas da Anistia, disse que não faria comentários, porque desconhecia o conteúdo do documentário.

O procurador da República Eduardo Benones, no entanto, concordou em falar ao Estadão, como coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial do MPF no Rio.

<b>Como o senhor recebe as críticas da Anistia Internacional?</b>

O trabalho do MP é complexo porque envolve instituições que deveriam funcionar como uma federação em dois níveis, estadual e federal. Entretanto, como procurador da República e coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial, eu diria que, do ponto de vista dos fatos, não há como discordar da Anistia, o controle poderia ser muito mais efetivo. Posso até discordar da maneira como o tema é abordado, das palavras usadas, mas a verdade é que o controle poderia ser mais operacional, à altura da atribuição que nos foi conferida pela Constituição. O que a gente precisa discutir, até mesmo em um debate público, junto com a Anistia, são as razões disso.

<b>E quais seriam as razões, em sua análise?</b>

Como coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial há seis anos, eu posso dizer, sem nenhum medo de errar, que existem dificuldades de ordem operacional que impedem a concretização do discurso legal. Há dificuldades inerentes a quem tenta exercer o controle sobre outra instituição, porque a polícia resiste a esse controle – o que é normal. Se fiscalizar qualquer instituição é difícil, imagina fiscalizar a instituição responsável por investigar, que é a polícia. Isso, por si só, é um desafio. No dia a dia, precisamos trabalhar junto com a polícia, o inquérito policial nos serve de subsídio, e há dificuldades. Há dificuldades na própria dinâmica da investigação. Por exemplo, muitas vezes precisamos recorrer ao Judiciário para obter as mesmas provas e vamos ter as mesmas dificuldades, vamos ter que passar pelos mesmos trâmites judiciais. O controle externo não é tratado de forma específica pelo Judiciário, não há uma vara especializada, um juiz designado.

<b>O senhor poderia nos dar outro exemplo?</b>

Outra dificuldade prática ficou muito clara durante a pandemia (quando por decisão do STF operações policiais em comunidades só poderiam acontecer em caráter excepcional e com a comunicação prévia ao MP). Como isso acontecia? Te mandavam um e-mail às 22h40 comunicando sobre uma operação no dia seguinte, às 5h da manhã. O que eu posso fazer neste intervalo de tempo? Não ficou claro na decisão do STF qual seria exatamente o papel do MP. Outro problema é que o MP tem uma divisão quase geométrica (o MPF faz o controle externo da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, enquanto o MP estadual faz o controle externo da Polícia Civil e da Polícia Militar do estado), mas as polícias não atuam assim. As grandes operações, as operações mais complexas, são feitas de forma integrada entre as diferentes polícias. É preciso estabelecer quem está no comando da operação e quem está no apoio, o que nem sempre é simples. No caso da intervenção militar no Rio, por exemplo, eu argumentei que os militares estavam atuando como policiais no apoio às operações em comunidades, mas decidiu-se que, não, que a competência era militar, e não conseguimos investigar.

<b>Mas o senhor acha que a instituição, de forma geral, está imbuída da importância desse papel?</b>

Acho que falta um olhar diferenciado, falta entender que é uma atribuição conferida aos MPs e que a gente precisa começar a se reestruturar para fazer esse controle. Falta estrutura e falta unidade na atuação. A PGR deu um sinal de que isso aconteceria quando criou a 7ª Câmara, exclusivamente para esse controle. Foi um grande passo, um grande reconhecimento, um indício de que há uma mudança de olhar. Mas ainda há muita coisa a ser feita, muitos fatores que não facilitam a nossa atuação.

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