O Ministério Público da Suíça afirma que o sistema criado pela Odebrecht para pagar propinas em contratos envolvia uma ampla rede de contas e recibos falsos, espalhados por mais de dez países, entre eles EUA, Portugal, Holanda, Antígua, Belize, Ilhas Virgens Britânicas, Panamá, Chipre, Áustria e Irlanda.
No total, quatro etapas de pagamentos foram criadas para camuflar a origem dos recursos e quem os receberia. Na avaliação dos investigadores suíços, a construtora criou uma estrutura “altamente profissional” para cometer crimes.
Segundo a investigação, num primeiro momento, o dinheiro que seria usado para a propina era retirado das contas oficiais da empresa. Para isso, contratos fictícios de serviços eram feitos. Os contratos falsos eram inclusive apresentados aos bancos para permitir que as transações fossem consideradas como legítimas.
Num segundo momento, esse dinheiro desviado das contas oficiais era depositado em contas na Suíça. Empresas offshore foram criadas em diversos países e controladas pela Odebrecht para movimentar essas contas e para “concluir contratos falsos de serviços”. “As contas dessas empresas foram abertas com o objetivo ilegal de manter recursos fora da contabilidade ordinária e obscurecer fluxos de pagamentos”, indicou o MP suíço, apontando como o Departamento de “Operações Estruturadas” mantinha um controle sobre essas movimentações de Caixa 2.
Do nível 2 para o nível 3 da estrutura montada para o pagamento de propinas, o dinheiro era liberado somente com o pedido de um membro do conselho de administração da Odebrecht. Pagamentos poderiam ainda ser feitos diretamente para beneficiários de propinas que tivessem contas na Suíça. Segundo os dados obtidos dos servidores da empresa na Suíça, notas frias eram emitidas para justificar os pagamentos.
Nesse 3º nível do esquema, contas e empresas de fachada eram operadas a partir de Antígua, Andorra e Panamá. Fernando Miggliaccio, funcionário da Odebrecht preso na Suíça, confirmou tal esquema em suas delações.
Para operar nesse nível, codinomes foram criados para aqueles com acesso aos dados. Funcionários recebiam nomes como “Gigo” e “Giginho”. “Por esse método, não era mais possível para alguém de fora estabelecer uma conexão entre os recursos e a Odebrecht”, apontaram os suíços.
Numa etapa final, os beneficiários da propina recebiam os recursos diretamente em contas no exterior ou por meio de doleiros. O sistema ainda permitiu que houvesse uma importante redução na capacidade de traçar o fluxo do dinheiro e para identificar seus beneficiários. “O uso de amplo número de empresas controladas pela Odebrecht, assim como a administração de relações bancária com intermediários, aponta para um sistema que foi desenhado para camuflar os pagamentos em questão”, disse.
Responsabilidade
Na avaliação do MP suíço, o departamento criado para organizar o pagamento de propinas da Odebrecht orientou pagamentos e administrava a operação. “Eram eles também quem definiam os codinomes aos políticos e funcionários públicos”, afirmam os investigadores. Mas apenas a direção sabia quem recebia a propina.
O departamento começou a funcionar em 2008 e foi oficialmente citado num informe anual da empresa em 2010. Sete pessoas trabalhavam no esquema, de forma permanente. Suas funções envolviam criar os contratos fictícios necessários para justificar um pagamento, fazer notas fiscais, controlar transações e monitorar as contas no exterior. No caso dos doleiros, as senhas para os pagamentos eram mudadas semanalmente.
“As empresas acusadas montaram um sistema sofisticado e com um sistema de comunicação isolado para esconder fundos ilegais, o que aponta para um alto grau de profissionalismo”, escreveu o MP suíço.
Segundo os procuradores, não apenas a empresa brasileira não evitou os crimes, mas “sistematicamente operou” o esquema. “Propina e lavagem de dinheiro necessário para escondê-lo era parte evidente da estratégia da empresa para as atividades empresariais”.
Na avaliação do MP suíço, a empresa “não cooperou de nenhuma forma por meses depois da abertura e anúncio de investigações criminais”. Para Berna, apenas o confisco dos servidores e dados na Suíça, com “evidências decisivas” contra a Odebrecht é que levaram os funcionários a falar.
Além do Brasil, os suíços citam que, no Panamá, ex-membros do alto escalão do governo receberam 32,8 milhões de francos suíços entre dezembro de 2009 e 27 de agosto de 2012 da construtora e que existiriam indícios de crimes em outros locais. “Essas descobertas indicam que os pagamentos foram influenciados por processos de licitação de obras”, apontou o MP.