O Judiciário sempre foi um poder enclausurado. O juiz é um ser naturalmente contido, discreto, reservado. Além disso, existem mitos que intensificam essa postura asséptica: a neutralidade, a imparcialidade, o distanciamento de qualquer interesse que pudesse desequilibrar um dos braços da balança.
Por causa dessa cultura judicial e do princípio da inércia – o juiz só age quando provocado – a Justiça permaneceu durante muito tempo distanciada da realidade. O mundo foi mudando e o Judiciário não se apercebeu disso. A sociedade acelerou seus ritmos. As comunicações se tornaram instantâneas. Assiste-se on line o que acontece em qualquer parte do globo ou até mesmo fora dele. E a Justiça conservou as suas praxes, os seus rituais, a sua burocracia e seu anacronismo.
O descompasso entre os avanços contemporâneos, as conquistas tecnológicas e científicas e o andar lento do Judiciário começou a despertar a atenção da lucidez brasileira. Muitos pensadores, preocupados com a disfuncionalidade de um serviço estatal de extrema relevância, puseram-se a imaginar uma Justiça mais eficiente.
Afinal, é preciso enfrentar os quase 100 milhões de processos em curso por todos os juízos pátrios. Tal volume sugere que não há brasileiro que não esteja litigando, o que seria estarrecedor. Afinal, o mundo necessita de paz, não de guerra. E o processo judicial pode se tornar uma aguerrida arena de astúcias, onde a estratégia para vencer a qualquer custo inibiria os freios éticos e liberaria impulsos nem sempre controláveis.
Dentre as várias opções de enfrentamento dessa verdadeira epidemia de processos, há quem recorra à experiência norte-americana. O pragmatismo ianque implementou e colhe reconhecidos êxitos o sistema de “múltiplas portas para a Justiça”. O que significa isso? Propiciar diversas modalidades de solução de conflitos, além da judicialização. Conciliar, mediar, negociar, arbitrar e tantas outras fórmulas de obter um resultado útil e satisfatório entre partes que divergem sobre um tema, funcionam melhor do que submeter os interessados às vicissitudes de uma ação judicial.
O processo é considerado a mais civilizada maneira de resolver um conflito. Mas não é a mais simples, nem a mais rápida, nem a menos dispendiosa. Por isso é importante repensar o modelo adotado por este Brasil que judicializou todas as questões e que faz passar pelo Estado-juiz problemas singelos, que poderiam ser resolvidos mediante diálogo orientado por pessoas imbuídas de boa vontade. Conciliadores, mediadores, árbitros, negociadores, todos podem contribuir para trazer harmonia ao convívio.
Se tal pensamento vier a prevalecer, além de uma sociedade mais satisfeita e mais apta a enfrentar suas vicissitudes, o Judiciário se reservaria para responder de forma célere e eficiente às demandas que realmente precisam da intervenção de um Estado-juiz.
Ampliemos as múltiplas portas de acesso à Justiça! A sociedade será outra quando descobrir o quão gratificante é chegar a um acordo negociado, em cotejo com a decisão que não deixa de ser, em última análise, forma sofisticada de intervenção do Estado-juiz com sacrifício da autonomia de vontade do interessado.
José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo