Mundial de Clubes terá troca extra em caso de concussão cerebral; médicos aprovam

O Palmeiras e os demais times participantes do Mundial de Clubes, no Catar, poderão testar uma novidade na regra do futebol. A Fifa liberou as equipes para realizar uma substituição extra em jogadores vítimas de pancadas fortes na cabeça, as chamadas concussões. A medida será aplicada em caráter experimental no torneio e foi bem recebida pelos médicos por se tratar de uma prevenção importante contra lesões graves e o futuro desenvolvimento de doenças neurológicas.

A maior atenção da Fifa está nas disputas pelo alto em que dois atletas chocam as cabeças ao tentar acertar a bola. O problema também pode acontecer em situações como batidas com a trave ou até boladas fortes no rosto. A recomendação é que a partir de agora, um jogador que desmaie ou esteja atordoado após um impacto seja retirado de campo imediatamente. A equipe poderá fazer a alteração mesmo que já tenha realizado todas as trocas permitidas pela regra.

Os médicos dos times vão ter papel fundamental na decisão se um jogador vai ou não ser substituído. E para detectar a necessidade, um teste simples é feito durante o atendimento. O protocolo recomendado é perguntar ao atleta vítima de pancada se sabemos o placar do jogo, o adversário, onde estão e o endereço de onde mora. Se não conseguir responder e demonstrar que está atordoado, é sinal de que houve um impacto grave.

Os médicos ouvidos pelo <b>Estadão</b> elogiam a iniciativa da Fifa principalmente porque a substituição consegue evitar o chamado "segundo impacto". Isso ocorre quando o atleta ainda não se recuperou adequadamente de um choque e tem um outro. "A concussão é um sacolejamento violento que pode fazer o cérebro se mexer dentro da caixa craniana. Quanto mais esses traumas se repetirem ao longo de anos, maior a possibilidade de o jogador até desenvolver quadros degenerativos", explicou a neurologista Maria Elizabeth Matta, coordenadora do Departamento Científico de Traumatismo Cranioencefálico da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).

Após um atleta sofrer o impacto, deve permanecer em repouso pelos próximos dias. "É importante que ele seja avaliado com exames de ressonância para conferir se houve alterações no crânio. O tratamento com remédios será para aliviar as consequências clínicas, como tontura, dor de cabeça e zumbido no ouvido", disse a médica. Uma recomendação dele é os clubes fazerem exames regulares para verificar se alguns possíveis impactos nocivos passaram batidos.

O médico da seleção brasileira feminina de futebol, Nemi Sabeh Junior, teve de lidar recentemente com um problema de concussão durante um treino. A goleira Aline levou uma forte bolada. A comissão técnica a afastou das atividades por uns dias e monitorou os sintomas. "Fizemos um inquérito diário para saber se tinha dor de cabeça, perda de apetite ou outra alteração. Ela ficou uma semana dormindo mal e com fotofobia (sensibilidade à luz)", explicou.

Os estudos médicos sobre as concussões em atletas tiveram início principalmente no futebol americano. A Fifa só passou a se dedicar mais ao tema neste século. Na Copa de 2014 um lance na partida entre Uruguai e Inglaterra despertou ainda mais a preocupação da entidade após o lateral uruguaio Álvaro Pereira desmaiar depois de uma pancada na cabeça. O jogador foi atendido, mas insistiu e voltou ao campo.

Agora, caso essa sugestão da Fifa seja aplicada vez, quem desmaiou tem de ser substituído na hora. "A concussão é mais comum do que a gente imagina. A possibilidade dessa regra ser alterada permite ao treinador mudar um atleta sem o risco de queimar uma substituição. Isso será bem positivo para todos", afirmou o médico da seleção feminina.

VÁGNER BACHAREL E BELLINI – Muito antes da regra de substituição extra ser pensada, dois jogadores tiveram sérios problemas com concussões. O caso mais grave foi do zagueiro Vágner Bacharel, que morreu aos 35 anos em 1990 após um choque de cabeças quando atuava pelo Paraná. O jogador recebeu atendimento para uma lesão de coluna, mas na verdade foi vítima de um edema cerebral causado por fratura no crânio.

Capitão do título do Brasil na Copa de 1958, o zagueiro Bellini faleceu em 2014 aos 83 anos depois de conviver com o Mal de Alzheimer. A família dele autorizou a doação do cérebro para estudos e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) concluíram que as seguidas pancadas na cabeça durante a carreira contribuíram para que a doença se manifestasse.

"Bellini jogou em uma época em que a bola era mais pesada, principalmente em jogos sob chuva. Também não existia antigamente tanta preocupação com as concussões. Ele desenvolveu lesões cerebrais que são comuns em boxeadores ou lutadores, que são vítimas de golpes fortes", explicou Renato Anghinah, livre-docente em neurologia pela Faculdade de Medicina da USP e médico do Sindicato de Atletas de São Paulo (Sapesp).

Atualmente, os clubes têm aumentado bastante os cuidados com a parte neurológica. Anghinah conta que testes feitos na pré-temporada servem de comparação para uma reavaliação pós-trauma. "Temos atualmente uma ferramenta refinada chamada Eye Track, que consegue rastrear o olhar do jogador e ver se houve alguma alteração na parte cognitiva depois de um choque. Hoje em dia temos vários recursos", explicou.

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