Domingo à tarde, dia 11, a administração do Museu Afro Brasil instalou alguns ventiladores de pé em seu espaço expositivo – os visitantes refrescavam-se um pouco quando encontravam um aparelho escondido entre as mais de 2 mil obras expostas, mas a medida, além de insuficiente em amenizar a alta temperatura do ambiente, indicava certa precariedade institucional. Na mesma semana, enquanto a reportagem do jornal O Estado de S.Paulo entrevistava o diretor do Afro Brasil, Emanoel Araujo, ele próprio parou em frente da escultura Frei Domingo da Conceição, do século 17, e identificou que um fragmento de madeira policromada se havia descolado da obra. “Caiu um pouquinho ali, está vendo? Isso é por causa do calor”, afirmou.
O Museu Afro Brasil, que completou 10 anos em 23 de outubro, espera verba de R$ 3.960.770,68 de convênio entre o Ministério da Cultura, por intermédio do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), e a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, à qual a instituição é vinculada, para a reforma de todo o telhado de seu edifício, o Pavilhão Manoel da Nóbrega no portão 10 do Parque do Ibirapuera, projetado por Oscar Niemeyer e inaugurado em 1953. “Não há isolamento térmico”, diz Emanoel Araujo. No montante, estão incluídas também a troca de toda a esquadria original dos vidros do espaço, enferrujada pela passagem do tempo, e a modernização da parte elétrica da instituição. “Com a obra do telhado, vai ser possível abaixar a temperatura do prédio em 7 graus”, conta o diretor. “E vamos ter um tipo de refrigeração que está sendo pensada para as obras do museu, que nunca foi climatizado.”
“O Ibram informa que o referido processo se encontra em fase final de conveniamento”, afirmou a Assessoria de Imprensa do MinC – o governo federal vai investir R$ 3 milhões na reforma e a Secretaria de São Paulo, o restante do valor. “Os nossos museus têm nível técnico de qualidade, instalações e acessibilidade bastante adequados, mas existem alguns espaços que estão sendo objeto de restauro, como a Casa das Rosas, o Museu Afro Brasil com seu projeto de desenvolvimento de troca de telhado e estruturas e o Museu do Café”, informou o secretário de Estado da Cultura, Marcelo Mattos Araujo sobre um dos temas da política estadual de 2015 para a área museológica.
Miopia
O calor, além de insuportável para os visitantes do Museu Afro Brasil, danifica as obras da instituição, especialmente, as de arte sacra brasileira por serem feitas com alvaiade, sistema pictórico cujas camadas podem expandir ou reduzir com o clima, como explica Emanoel Araujo. O diretor conta também que peças barrocas como as da Coleção Odorico Tavares, emprestadas em comodato, podem ficar vulneráveis pela composição em madeira com sobreposições de gesso e pintura, que se tornam quebradiças. “Temos sete funcionários que acompanham e documentam o acervo.”
A reforma do telhado do Afro Brasil – seu teto, ainda, apresenta infiltrações -, torna-se urgente e a climatização do espaço terá de ser feita por etapas. “Na realidade, os museus de antigamente não tinham climatização e muitos continuam não tendo”, avalia Emanoel. “Se você colocar uma peça em um espaço de 40 graus, ela encontra o seu microclima, vamos dizer, ela se defende. A obra de arte foi uma invenção de Deus, resiste a terremoto, incêndio”, brinca o diretor. “Mas se você tirá-la dali e colocá-la a 23 graus, ela sofre”.
A instituição, ademais, tem uma reserva técnica “precária”, avalia o diretor.
“É uma prioridade que foi sendo posta de lado”, explica Emanoel. O secretário de Cultura, Marcelo Araujo, diz que está em estudo a possibilidade de alugar espaços para abrigar acervos de suas instituições.
“O Museu Afro Brasil sofre de uma certa miopia em São Paulo”, afirma Emanoel Araujo. “O Brasil tem um estigma quanto à questão africana, o que é estranho em um país com uma população negra enorme”, avalia. “A pecha de Afro Brasil ainda é um peso para a sociedade brasileira, eurocêntrica. É melhor ter uma exposição de terceira classe de impressionismo do que uma exposição que você descubra as suas raízes.” Mesmo assim, entretanto, ele considera que a instituição, de “função social”, está afirmada apesar de jovem – em 2014, atraiu a visitação de cerca de 210 mil pessoas.
Punhal
Emanoel Araujo espera que o novo ministro Juca Ferreira, “um amigo”, olhe para o museu. “Ele já veio várias vezes aqui, mas falta ainda uma conversa formal no sentido de apertar o bicho com o punhal.” Além do orçamento de R$ 10 milhões para 2015 por intermédio da Secretaria de Cultura, o museu teve aprovação para captar R$ 9 milhões via Lei Rouanet.
Em 2004, o Afro Brasil, de 12 mil m², foi inaugurado como órgão da Prefeitura de São Paulo, mas depois de grave crise financeira, tornou-se, em 2009, instituição vinculada ao governo estadual de São Paulo com gestão pelo sistema de Organização Social e com a doação efetiva de 2.174 obras da coleção de Emanoel para o Estado – e em setembro de 2014, o diretor entregou mais 242 peças para o museu. A partir de domingo (25), aniversário da cidade, o Afro Brasil comemora o início de sua programação de 2015 (leia ao lado), com abertura de exposições e eventos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.