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Museu do Futebol amplia projeto que dá vida nova às lembranças dos idosos

Capaz de "declamar" a escalação do São Paulo de 1948 e, em seguida, comentar as últimas goleadas do Flamengo de Renato Gaúcho, o professor aposentado Delpino Verissimo, de 84 anos, espera ansioso pelos encontros do projeto "Revivendo memórias", do Museu do Futebol.

Nas reuniões virtuais, ele ouve as histórias de ex-jogadores, troca figurinhas com pessoas de sua idade – o projeto é voltado para quem tem mais de 60 anos – e remexe nas suas próprias lembranças, sobre o futebol e a vida. É uma volta ao passado que ajuda a viver melhor no presente.

Idealizado para ajudar no tratamento de Alzheimer a partir de uma parceria com o Hospital das Clínicas, o projeto cresceu durante a pandemia, passou a ser mais digital e inclusivo, integrando idosos sem a doença, como Delpino. Quase todos os participantes formam um público fiel do projeto, que sempre pergunta sobre o encontro seguinte.

Nas reuniões virtuais, os profissionais do Núcleo Educativo do Museu usam reflexões, desafios lúdicos, conversas, jogos, atividades, contação de história e até exercícios físicos. O futebol é o carro-chefe, mas as conversas também giram em torno de música, literatura e atualidades. Tudo isso para ativar as memórias afetivas relacionadas aos acervos do museu. "Como eu sei que minha mulher não gosta muito de futebol, eu coloquei na inscrição que nossa área de interesse eram assuntos diversos", diz o professor, casado com Etty Veríssimo da Costa. "Assim, ela também participa."

No dia 12, o programa teve um convidado especial: o ex-lateral Zé Maria, tricampeão mundial em 1970 com a seleção brasileira e tetracampeão pelo Corinthians. Essa edição foi marcante para o corintiano Ruy Sérgio de Carvalho Silva, de 60 anos. Na várzea dos anos 1970, ele escolheu ser lateral-direito por causa do Super-Zé. Além disso, os dois – torcedor e ídolo – compartilharam as lembranças de um churrasco na Zona Norte em 1978. "Nós fomos em um Opala branco do Jairo. Eu contei para o Zé Maria e ele se lembrou. Foi emocionante", diz o analista de Data Center, referindo-se ao goleiro corintiano falecido em 2019.

O ex-jogador Edmilson Machado da Silva, o Edmilson Pombinho, também participou do encontro com Zé Maria. Depois de construir uma carreira de sucesso de 1964 a 1980, em clubes como Botafogo, Paysandu e Bahia, o ex-lateral atua como coordenador de Esportes da prefeitura de Salvador. "No Brasil, a gente esquece da história, mas o Museu de Futebol luta contra esse esquecimento. Isso me gratifica muito", diz o ex-atleta, hoje com 69 anos.

Durante a pandemia, o programa mudou. A forma presencial foi substituída por atendimentos remotos, por telefone e videochamada. Com isso, ele ajuda a driblar a solidão, os medos e a ansiedade de um público ainda afastado para evitar a contaminação pelo novo coronavírus. "Os objetivos são minimizar o isolamento social, pela pandemia ou pela exclusão social, resgatar histórias de vida por meio da memória afetiva, ampliar a autoestima, dar protagonismo aos participantes e promover a inclusão social e digital desse perfil de público", afirma Ialê Cardoso, coordenadora do Núcleo Educativo do Museu do Futebol.

O novo formato facilitou a ampliação e a inclusão. Desenvolvido em parceria com o pesquisador e idealizador Carlos Chechetti, o programa nasceu para ativar a memória afetiva de idosos com Alzheimer a partir do futebol. A partir de 2020, as transmissões online atraíram cuidadores, outros idosos, pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade. Hoje, a ação conta com o patrocínio do Aché Laboratórios Farmacêuticos, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Os atendimentos a pessoas com Alzheimer continuam em parceria com o Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Por trás do estímulo às lembranças está um olhar atento às necessidades do idoso, segmento nem sempre contemplado nas políticas públicas. O projeto faz na prática o que a escritora Ecléa Bosi descreve no livro "Memória e sociedade – lembranças de velhos". A partir de inúmeras entrevistas com pessoas com mais de 70 anos sobre a cidade de São Paulo, a autora registra a voz dos idosos e, através dela, "a vida e o pensamento de seres que já trabalharam por seus contemporâneos e por nós."

Quando o professor Delpino se lembra de um jogo da década de 1980, em que ele precisou ficar na ponta do pé no Morumbi lotado, com mais 150 mil pessoas, ele não traz apenas uma lembrança pessoal, mas também da memória do grupo, da família e da própria sociedade.

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