O tempo, em música, é a mensagem. Ele faz milagres revisando valores, derrubando mitos e reerguendo combalidos. Se Mahmundi tivesse lançado nos anos 1990 o disco que agora lança, seria estraçalhada. Depois de mais de uma década de imersão nas produções sintéticas, realizadas sobretudo via pensamento do produtor Lincoln Olivetti sob encomenda para tocar na rádio, a música pop internou-se na clínica de desintoxicação. O violão e a voz deveriam ser colocados à frente e tudo mais ganhar contenção. As vitórias sucessivas dos projetos unplugged só apontaram para o pretenso desejo do público em querer a tal “música orgânica”.
O teclado sintetizador, último fantasma da música pop, é o que dirige as ideias de Mahmundi. Sua música é desavergonhadamente fácil, assumidamente eletrônica e inevitavelmente datada. Mas, talvez, o próprio conceito do “datado” já não seja o mesmo de 1990. Azul é o reapoderamento dos sons programados. Eles são tantos nesse refrão que quase engolem a própria voz.
Uma base como a de Eterno Verão seria depreciada nos anos 1990 com algo como “música autoral de karaokê”. A programação da bateria, com caixa cheia de reverb e levada retinha, remeteria à “mentira de laboratório” que os roqueiros tanto atacavam e as cantoras cool desprezavam.
Mas, então, Mahmundi aparece em 2016 e mostra que é grande, seduzindo críticos menores de 30 anos e obrigando os maiores de 40 a repensar as qualidades que podem haver na vida levada sobre as asas de um teclado programado. Por trás daqueles androides todos dos anos 1980, bem lá no fundo do peito dos robôs, pode bater um coração legitimamente humano, cheio de decepções, medo, solidão, euforia e tudo o que pode virar uma bela canção eletrônica. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.