“O que se leva desta vida é o que se come, o que se bebe, o que se brinca”. O verso do sambista Roberto Ribeiro (1940-1996) é repetido diversas vezes no espetáculo que celebra Zeca Pagodinho. Ou melhor, Jessé Gomes da Silva Filho, retratado como herói suburbano, um Macunaíma da música, que tinha tudo para dar errado, mas se tornou um ídolo popular, amado da favela à classe A.
Em Zeca Pagodinho – Uma História de Amor ao Samba, a frase, que sintetiza seu espírito “deixa a vida me levar”, está na boca do tio-avô Thybau, grande referência musical e afetiva. “É a minha cara. Sou uma pessoa normal, que gosta de curtir uma cervejinha, os amigos, a família. Sou aquilo mesmo, um homem da rua”, conta o compositor, por telefone, satisfeito com a homenagem, com a qual colaborou (vídeos seus aparecem para Jessé num telão como uma “assombração” vinda do futuro).
Zeca já foi se assistir quatro vezes. Não interferiu na confecção do texto, de Gustavo Gasparani, também diretor e protagonista (Zeca jovenzinho fica a cargo do ator Peter Brandão). Apenas deu sugestões, como a inclusão do personagem Baixinho, o porteiro de seu sítio em Xerém, na Baixada Fluminense, que surge sempre de porre e esculhambando o patrão, dizendo que ele não canta “porra nenhuma”.
“Gustavo me imitou direitinho, até o meu jeito de andar ele faz. Fiquei bonito no palco. Quando vou, subo junto e canto Deixa a Vida me Levar e Vai Vadiar no final”, diz o retratado.
Gasparani, que vem de uma sequência bem-sucedida de musicais, optou por manter Zeca como o Jessé do Irajá (subúrbio da zona norte onde ele nasceu) e de Xerém (que é seu refúgio) mesmo quando ele já é retratado como o Zeca do Brasil todo, de hits como Camarão Que Dorme a Onda Leva, SPC, Bagaço da Laranja, Ai Que Saudade do Meu Amor (parcerias com Arlindo Cruz; a primeira também de Beto Sem Braço), Judia de Mim (com Wilson Moreira) – todos na peça.
“Não fazia sentido algo mimético estando ele vivo, fazendo shows”, explica o autor. “Quis mostrá-lo como a perfeita representação da cultura do subúrbio: o sincretismo religioso, a musicalidade, a forma de lidar com os vizinhos.”
Cada etapa da vida surge como uma estação de trem, alusão à importância do transporte ferroviário na vida do suburbano. Sambistas que lhe foram fundamentais, Monarco, Beto Sem Braço, Guineto, Neoci de Bonsucesso, Arlindo, Beth Carvalho, entre outros, estão representados no elenco, em que se destacam Beatriz Rabello, Ana Velloso e Lu Vieira. “Ele virou o compadre do Brasil. Não é nada pensado, é autenticidade mesmo. O que o norteia é que a vida só tem graça se tiver prazer.” A montagem fica no Theatro Net Rio até 29 de outubro, e deve chegar a São Paulo ano que vem.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.