Mundo das Palavras

MÚSICO DENUNCIA PRECONCEITO NA USP

Pela primeira, um brasileiro se tornou mestre-regente do coral Meninos Cantores de Viena, cuja importância na História da Música se pode avaliar pelos nomes dos gênios que já o conduziram, ao longo dos seus 500 anos de existência, entre os quais Wolfgang Amadeus Mozart. Luiz Guilherme de Godoy, jovem negro de 28 anos, nascido em Mogi das Cruzes, obteve esta honra depois de disputá-la num concurso. Sua trajetória, no Brasil, cheia de muitas dificuldades, ele reconstituiu para a BBC-Brasil.
 
Num trecho chocante de seu relato, Luiz se referiu à sua passagem, como aluno pelo Departamento de Música de USP. Disse ele: “O ensino universitário sempre foi algo destinado à elite, mas o ambiente de Arte e Música, talvez, seja o mais elitista e preconceituoso. Eu me sentia deslocado no Departamento de Música da USP. Encerrei o curso com uma média de 9,3. E tirei nota máxima no Trabalho de Conclusão de Curso. Porém, tive algumas experiências muito desgastantes, sobretudo com professores. Me disseram: ‘Você não vai ser músico’. Isso sem se basear em questões técnicas. Mas em preconceitos. Eu sou negro e tenho certeza absoluta de que, quanto mais escura a pele, mais o comportamento das pessoas que interagem com a gente muda, no Brasil.
 
Há um racismo velado nessas instituições tradicionalmente voltadas para a elite porque ninguém se assume racista. Jamais me disseram:  ‘Luiz, você não vai dar certo na música porque você é negro’. Certa vez, tive de tocar piano na casa de uma senhora da alta sociedade paulistana. O objetivo era que a gente se apresentasse para possíveis financiadores da nossa carreira. Você está nesse ambiente e todos os seus colegas são brancos. E todas as outras pessoas também são brancas.
 
Em seguida, aqueles colegas vão tendo oportunidades, a partir daquela situação na qual você também estava. Menos você. Em outra oportunidade, seu professor fala para você que a classe toda vai para Boston, nos Estados Unidos, nas férias de julho, para uma aula de aperfeiçoamento. Eu digo: ‘Que legal!’. Mas não tenho condições de ir. Tempos depois, o mesmo professor diz: ‘Você precisa comprar um piano de cauda’. E acrescenta que conhece um amigo que vende por dezoito mil reais. Eu agradeço, mas respondo que é muito dinheiro para mim. O semestre acaba e esse professor pede para eu trocar de classe porque, alega, ‘tem a sensação’ de que eu não me esforço o suficiente.
 
Agora que teve seu talento e seu esforço reconhecidos na Áustria, Luiz dará aulas, também, para alunos negros, no local onde está instalado o coral vienense. O Palácio Augarten, cuja imagem acompanha este texto.
 

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