Estadão

Na contramão de NY, Ibovespa cai 0,24% com liquidez fraca e fiscal no radar

Em pregão de liquidez fraca, às vésperas do feriado de Natal, o Ibovespa não conseguiu acompanhar o sinal moderadamente positivo das bolsas em Nova York, embora tenha diminuído o ritmo de perdas ao longo da tarde. Cautela diante de eventuais pressões de categorias do funcionalismo por reajuste de salários, na esteira da aprovação do Orçamento de 2022, perspectivas ruins para economia brasileira no próximo ano e dados fracos do setor externo inibiram o apetite por risco, segundo analistas.

As perdas mais fortes foram concentradas pela manhã, quando o Ibovespa operou abaixo da linha dos 105 mil pontos, registrando mínima aos 104.385,91 pontos, em queda superior a 1%. Com uma leve aceleração dos ganhos nas bolsas em Nova York na etapa vespertina, o principal índice da B3 conseguiu retomar o nível dos 105 mil pontos, embora tenha se mantido em terreno negativo. Após o leve refresco ontem, quando subiu 0,46% (vindo de uma queda de 2,03% na segunda-feira), o Ibovespa fechou o pregão em baixa de 0,24%, aos 105.243,72 mil pontos. O giro foi de R$ 18,5 bilhões, bem abaixo da média (na casa de R$ 30 bilhões). Com isso, a valorização acumulada em dezembro é de 3,27%. Se o ano terminasse hoje, o índice amargaria uma queda de dois dígitos (11,57%).

"A bolsa teve uma abertura bem fraca porque o mercado não gostou de como saiu o orçamento, que acabou dando mais peso para a questão de reajuste salarial e da verba para partidos, enquanto os recursos para investimento ficaram muito baixos", afirma o chefe de renda variável da Veedha Investimentos, Rodrigo Moliterno, acrescentando que os dados ruins das transações correntes, com déficit de US$ 6,522 bilhões em novembro, também pesaram sobre o mercado.

Aprovada na noite de ontem no Congresso, a peça orçamentária destina R$ 4,9 bilhões para o fundo eleitoral, R$ 16,5 bilhões para as emendas do relator, o chamado "orçamento secreto", e R$ 1,7 bilhão para aumento de salários de policiais federais, como pleiteado pelo presidente Jair Bolsonaro. Teme-se, contudo, que haja um efeito em cascata, com diversas categorias reivindicando reajuste, o que levaria a expansão de gastos em ano eleitoral. Essa movimentação já teve seu primeiro capítulo com os auditores da receita federal, que deram início a uma debandada (324 já teriam deixado seus cargos comissionados de chefia), alegando que o Orçamento de 2022 prevê cortes na verba destinada ao órgão e reajuste apenas a policiais.

O diretor de investimentos da BS2 Asset, Mauro Orefice, atribui a falta de fôlego do índice em grade parte à ausência de apetite por negócios, que fica evidente pelo giro bem reduzido. Ele avalia que Ibovespa está bem descontado em relação a seus pares emergentes por causa dos problemas domésticos, como a fraqueza da atividade econômica, as dúvidas sobre o tamanho do ciclo atual de aperto monetário e, sobretudo, a percepção de risco fiscal.

"A questão orçamentária ficou no radar o ano inteiro. Se tiver a perspectiva de uma trajetória fiscal um pouco mais benigna, com reformas e mais privatização, o Ibovespa pode se recuperar", diz Orefice, para quem apenas um alinhando da Bolsa local com demais emergentes levaria o índice para algo entre 125 mil e 130 mil pontos.

A queda do Ibovespa hoje poderia ter sido pior, observa Moliterno, da Veedha, não fosse a aceleração dos ganhos dos mercados em Nova York durante à tarde, em meio a notícias de que vacinas existentes são eficiente contra a variante ômicron do coronavírus. Houve também uma diminuição das perdas das ações da Petrobras, após a virada das cotações do petróleo para o campo positivo na esteira da queda acima do esperado dos estoques de petróleo nos EUA na semana passada (4,715 milhões de barris ante expectativa de 2,6 milhões).

Pela manhã, investidores digeriram a alta de 2,3% do PIB americano no terceiro trimestre (anualizado), acima da estimativa dos analistas de 2,1%. Já o índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês) – medida de inflação preferida pelo Federal Reserve – subiu a taxa anualizada de 5,3%, confirmando resultados preliminares.

A despeito de temores de perda de ritmo da economia mundial por causa da variante ômicron, os bancos centrais desenvolvidos devem seguir com a retirada de estímulos monetários. A expectativa é que o BC americano encerre o programa de compra mensal de bônus em março e anuncie ao menos três altas de juros ao longo de 2022.

Para Orefice, da BS2 Asset, a mudança na política monetária americana já está incorporada aos preços e, por isso, não representa um grande risco para a trajetória das bolsas emergentes, como o Ibovespa. "Se a inflação for mais alta do que o Fed está esperando, talvez ele tenha de ser mais agressivo. Mas hoje a alta de juros parece razoavelmente precificada", diz Orefice, para quem os grande obstáculos à reação do Ibovespa são domésticos.

No setor corporativo, destaque para as ações das companhias áreas. Depois de uma manhã negativa, os papéis da Gol e da Azul ganharam força com diminuição dos temores relacionados à ômicron, dando continuidade à recuperação observada ontem. A PN da Azul subiu 1,36% e a PN da Gol, 2,02%. A maior alta da carteira teórica coube a GetNet, que anunciou ontem pagamento de Juros sobre Capital Próprio (JCP) no valor de R$ 298 milhões (bruto). As units da empresa fecharam em alta de 23,40%.

Entre as blue chips, Vale ON caiu 0,52%, na esteira de recuo de 2,62% do minério na China. Apesar da alta do petróleo, Petrobras ON fechou em queda de 0,40% e Petrobras PN perdeu 0,14%. O setor financeiro apresentou ganhos moderados, com alta de Itaú (0,38% PN) e de Bradesco (0,25% ON e 0,47% PN).

<b>DÓLAR</b>

O dólar enfraqueceu no exterior diante da maioria de pares fortes e moedas de emergentes e abriu espaço para maior valorização do real. Assim, desinflou mais de sete centavos entre a máxima e a mínima desta sessão. Internamente, a aprovação do Orçamento para 2022 na véspera, que deu pouco mais de visibilidade para o trato das contas públicas, ajudou marginalmente.

A queda mais aprofundada do dólar se deu na segunda etapa da sessão de negócios. A divisa americana, que chegou a tocar R$ 5,7433 na máxima intraday pela manhã, foi parar na casa dos R$ 5,6627, no vale do dia no segmento à vista. Encerrou o dia em queda de 1,24%, a R$ 5,6677. No segmento futuro fechou a R$ 5,6625, em queda de 1,62%.

A despeito dos temores pelos efeitos da variante ômicron sobre as economias globais, o apetite pelo risco esteve presente nos mercados internacionais, com as bolsas da Ásia, Europa e dos Estados Unidos fechando em alta. Os contratos futuros de petróleo também seguiram essa mesma trajetória com barril do WTI para fevereiro subindo 2,31%, para US$ 72,76, enquanto o do Brent para o mesmo mês avançando 1,77%, a US$ 75,29.

Carlos Lopes, economista do banco BV, explica que houve um movimento global de alívio no resto do mundo, com dados favoráveis da economia americana, como o Produto Interno Bruto (PIB) melhor que o esperado, notícias de que a hospitalização por Ômicron é menor que a delta e autorização de novo remédio da Pfizer. "Esse conjunto de notícias favoreceu ativos de risco, incluindo moedas de países emergentes, entre elas, o real", disse.

Com a liquidez minguada, todas as ofertas de swap cambial do Banco Central foram totalmente absorvidas, sendo para rolagem ou mesmo para overhedge. A demanda por compra de dólares continua, mas o mercado corrigiu hoje uma vez que o real ficou pressionado por dias consecutivos, dizem profissionais deste mercado.

O BC divulgou que o fluxo cambial total no País estava negativo em US$ 6,261 bilhões em dezembro até o dia 17. A cifra é resultado de um fluxo comercial positivo de US$ 859 milhões e de um fluxo financeiro significativamente negativo de US$ 7,120 bilhões no período, com entradas de US$ 42,981 bilhões e saídas de US$ 50,101 bilhões. A posição dos bancos no mercado à vista passou de vendida em US$ 14,956 bilhões no fim de novembro para vendida em US$ 18,193 bilhões no período.

<b>TAXA DE JUROS</b>

Depois de dois dias de queda firme, os juros futuros terminaram sessão regular da quarta-feira com viés de alta, atribuída à persistência do desconforto fiscal – mesmo após a votação do Orçamento de 2022 – e a movimentos técnicos neste pregão pré-IPCA-15. As taxas, contudo, tiveram ímpeto de elevação menor nas horas finais, em consonância com o Relatório Mensal da Dívida de novembro, que mostrou que o Tesouro segue sem maiores dificuldades em acessar o mercado. Na estendida, o cenário de queda dos rendimentos se cristalizou na maioria dos vértices.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 passou de 11,414% no ajuste de ontem a 11,38% (regular, na mínima) e 11,37% (estendida). O janeiro 2025 subiu de 10,392% a 10,44% (regular) e 10,40% (estendida). E o janeiro 2027 foi de 10,351% a 10,38% (regular) e 10,34% (estendida).

Em termos de liquidez, como esperado pelos agentes, seguiu a diminuição gradual do volume transacionado à medida que se aproximam os feriados de Natal e ano-novo. Foram negociados 514 mil contratos do DI janeiro 2023, de 675 mil na segunda-feira e 613 mil na terça-feira; 236 mil do janeiro 2025, de 278 mil e 140 mil, respectivamente; e 73 mil do janeiro 2027, de 101 mil e 103 mil.

A liquidez um pouco mais robusta do 2025 ante a véspera pode ser atribuída à recomposição de posições no miolo da curva, depois da derrubada das taxas ontem e anteontem. Os agentes também esperam os dados do IPCA-15 de dezembro, divulgados amanhã na abertura do mercado, que deve mostrar a primeira desaceleração da taxa de 12 meses em um ano e meio.

Além da questão técnica, os profissionais de renda fixa ficaram de olho hoje nos desdobramentos da votação do Orçamento de 2022. Se, de um lado, foi bem recebido o acerto da peça ainda no ano anterior (o que não ocorreu com o Orçamento de 2021, levando à crise congressual vista nos meses de fevereiro e março), por outro, evidenciou escolhas mal recebidas pela opinião pública (como o aumento do fundo eleitoral e o reajuste a policiais federais).

A concessão do aumento a profissionais de segurança (base de apoio do Planalto) incomodou outras carreiras, que já pressionam a gestão de Jair Bolsonaro. A mais evidente foi a Receita Federal, em que técnicos fizeram entrega coletiva de cargos. Dentro do governo, conforme revelou a repórter Adriana Fernandes, aumentos salariais têm sido tratados como inevitáveis.

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